Neste momento histórico, o Direito contemporâneo e, por conseguinte, o Poder Público têm sido convocados a atualizar-se ante crescentes demandas relacionadas ao campo da propaganda e publicidade que emanam do universo tecnológico e privado ao cumprir finalidade econômica e/ou cultural no contexto social, em especial nas mídias sociais.
Tecnicamente, propaganda e publicidade diferenciam-se a partir da sua finalidade. A propaganda não almeja um benefício econômico, antes busca a difusão de ideias para promover a adesão a um sistema ideológico, seja ele político, social, religioso, econômico, governamental. Já a publicidade é o recurso clássico utilizado para introduzir no cenário social e tornar conhecido um produto, serviço ou empresa, despertando o interesse pela coisa anunciada, aliando prestígio ao nome ou à marca do anunciante ou, ainda, propagando certo estilo de vida.
Em termos jurídicos, a publicidade recebe regulamentação. Sobre os princípios próprios da publicidade e os conceitos de publicidade enganosa e abusiva, destacam-se as sensíveis questões que afetam a publicidade infantil. Técnicas publicitárias relacionadas com publicidade oculta, subliminar, merchandising, teaser, puffing e testemunhal desafiam as especificidades técnico-jurídicas. Em busca do equilíbrio entre a insuficiência e o excesso da informação incidem conflitos de interesses, criando-se novos problemas, como a rotulagem de produtos, cujo alcance extrapolou as agências reguladoras, passando para o campo jurisdicional, além das sutis questões que envolvem a comercialização das drogas lícitas.
Já a propaganda, ao assumir proporção digital, vem desequilibrando o debate intelectual e acadêmico, estabelecendo-se como espaço virtual permeado por interesses, paixões e ideologias, minando a empatia, a autonomia privada, a autodeterminação, a autorregulação e a boa-fé.
Em termos práticos, tal cenário explicita divergência entre o Direito Público e o Direito Privado que impacta substancialmente os pilares constitucionais da liberdade de expressão e das políticas públicas. Paulatinamente, vêm se desgastando os princípios norteadores da ação do poder público, especialmente quando o tema consubstancia a proteção da infância e os interesses que articulam a publicidade de drogas lícitas, tais como álcool, tabaco e suas versões tecnológicas, e-drugs e cigarro eletrônico.
No âmbito do controle social, esse cenário exige das instâncias regulatórias e fiscalizatórias redobrada atenção para com a peculiaridade da metodologia utilizada nesse segmento, posto que estão em pauta questões tanto tecnológicas quanto subjetivas e subliminares, cujo preciosismo alienado pode impactar: o sujeito de direito, ante eventuais efeitos adversos que possam impactar a saúde mental e aos juridicamente incapazes; a comunidade, seus atores sociais ou grupos minoritários, ante interveniência que possa derivar em ruptura e desagregação sociocultural; as instituições, ante o esvaziamento do arbítrio decisional, seja pela complexidade, sobreposição ou vácuo de informações, seja pela necessidade de articulação colegiada das atribuições em rede.
A evolução tecnológica, a digitalização e a mudança das plataformas de comunicação promoveram um interstício entre a liberdade de expressão e as liberdades comunicativas, estas últimas capitaneadas politicamente como símbolo da ação coordenada de grupos de interesse ou de movimentos sociais, orquestradas em diferentes ambiências enquanto liberdade artística, liberdade de radiodifusão, liberdade de imprensa, de pesquisa e de investigação.
As balizas constitucionais relacionadas às liberdades têm se mostrado insuficientes ante a ampliação das segmentações acerca do exercício dos direitos fundamentais e dos direitos subjetivos a elas vinculados. É notório o impacto da internet no desdobramento de questões jurídicas relacionadas com o anonimato, a transparência, a privacidade, a diversidade de meios de propagação informacional e a fragilidade dos mecanismos de controle ético das postagens, envolvendo inclusive impasses de jurisdicionalização de âmbito internacional.
Nesse complexo e dinâmico contexto informacional virtualizado e digitalizado, intensifica-se a necessidade de ações regulatórias e de controle social, posto a publicidade ter alçado status de veículo das liberdades comunicativas, deparando-se a sociedade com novos meios de interação e mobilização, gerando preocupação com a saúde mental, a ordem social, a manipulação ideológica, além do frenesi consumerista.
Como consequência, no campo estatal, observamos que reacendeu o movimento intervencionista relacionado ao controle dos atos digitais nas redes sociais e, simultaneamente, no campo privado, intensificou-se a corrida tecnológica estimulada por novos mecanismos de controle digital e proteção midiática. Multiplicam-se os desafios para provimento de segurança e estabilidade de sistemas e plataformas, a exemplo da atuação de hackers, que paradoxalmente invadem as fronteiras do ciberespaço em nome da liberdade.
Estamos diante da obsolescência das consagradas regras constitucionais, considerando o (des)controle provocado pelos meios digitais com potencial para impactar, inclusive, a soberania nacional. Multiplicam-se as especificidades jurídicas em um mundo virtual que na atualidade constitui a realidade de milhões de pessoas. Dominar esses conceitos, operacionalizá-los com rigor metodológico e ainda assim aplicar os paradigmas digitais para o estabelecimento e fiscalização das políticas públicas, preservando a ética e o próprio laço social, é o desafio resiliente que atropela verdades e conquistas.
Para tanto, o conhecimento técnico-científico compreende a necessidade de aproximar diferentes qualificações e instituições para alcançar um mesmo fato ou fenômeno a partir de evidências científicas, especialmente quando sua complexidade ultrapassa as fronteiras do Direito, demandando pela articulação ética de saberes e poderes, como é o caso das ações do poder público na formulação, administração e fiscalização das políticas.
Nesse cenário, virtual e digitalmente complexificado, como estimular o controle social e aprimorar as ações de prevenção na comunidade? Urge aprimorar e renovar as ações do poder público, incluindo métodos e técnicas de prevenção secundária e terciária com base em evidências científicas, rearranjando estrategicamente a oferta dos serviços públicos e ações de controle social, especialmente naquelas matérias relacionadas aos superiores interesses do público infantojuvenil.
A adesão a ações de prevenção terciária, tal como as hipóteses de uso abusivo e dependência de drogas no contexto escolar, podem ser estrategicamente consolidadas mediante atuação intersetorial e interinstitucional, colaborativamente articuladas, inserindo novos atores e diferentes tecnologias no contexto escolar, despertando empatia e discursos éticos nas pautas de comunicação entre docentes, discentes e comunidade.
O Projeto Rodas de Conversa, planejado e desenvolvido com ativa colaboração institucional via Projeto Semear de Enfrentamento ao Álcool e outras Drogas, é exemplo de atuação pautada nesse novo paradigma, tendo como objetivos oferecer espaço e escuta sensíveis ao tema do uso e abuso de álcool e outras drogas no ambiente escolar, identificar casos e realizar o encaminhamento dos casos identificados para serviços das redes de atenção à saúde, tratamento e proteção social.
Outras propostas construídas a partir desse novo paradigma estratégico de atuação interdisciplinar, interinstitucional, intersetorial e colaborativa têm sido estudadas. Entre elas, destacam-se:
– Justiça Terapêutica no âmbito do Judiciário Paranaense, dirigida para as demandas criminais que apresentem interface com o uso nocivo de álcool e outras drogas;
– Fiscalização digital dos serviços públicos que integram a rede de proteção ao usuário de álcool e outras drogas;
– Projeto de Vida como vetor de resiliência, buscando o acompanhamento integrado dos casos relacionados com o uso abusivo de drogas junto aos equipamentos sociais, visando à superação do estigma e a adequação de atendimentos e intervenções à singularidade, motivação para a mudança e a vocação do sujeito de modo concreto no seu dia a dia.
Campanhas sociais, enquanto instrumento publicitário, podem ser mais bem utilizadas pelo poder público para promover mudança social, seja ao divulgar as políticas públicas na área de saúde mental, seja ao veicular ações que visem prevenir, motivar e informar a população, buscando a adesão ao estilo de vida saudável. O desafio é sair da zona de conforto das especialidades e lançar-se à tarefa de redimensionar ações estratégicas que articulem a liberdade de expressão e a comunicação como fatores de integração e pacificação da comunidade.
Guilherme de Barros Perini (coordenador do Projeto Estratégico Semear)
Noeli Kühl Svoboda Bretanha (psicóloga)
Letícia Soraya Prestes Gonçalves de Paula (assessora jurídica)