Após o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais, bolsonaristas e antipetistas perguntam-se, atônitos, como o candidato petista pôde obter tão expressiva votação, mesmo tendo sido condenado e preso por corrupção? Mesmo depois de todas as acusações mediante delações premiadas durante a Operação Lava Jato que levou a público esquemas de corrupção como o “petrolão” por onde bilhões, ou trilhões, de reais foram roubados da Petrobrás em benefício do partido?
Fraude ou erro estratégico?
A suspeita de fraude nas urnas continua a assombrar uma boa quantidade de bolsonaristas, mesmo sem provas ou indícios. Encontrar na suposta fraude a “explicação” para Bolsonaro ter obtido cerca de 6 milhões de votos a menos que Lula parece a única forma plausível de encarar uma realidade que se apresenta inconveniente, desagradável e preocupante a quem considera a eleição de Lula a pior desgraça que poderia acontecer ao país. Mas, se, ao invés de colocar a culpa nas urnas “fraudadas”, bolsonaristas deixassem de lado essa forma paranoica de interpretar a realidade e buscassem um ‘mea-culpa‘ a fim de tentar entender a cabeça do eleitor brasileiro médio, este eleitor que não entende de ideologia e se pauta por questões bem mais práticas e objetivas ao definir seu candidato? Ou os bolsonaristas acreditam que o eleitor pobre do Nordeste, por exemplo, que votou em peso no petista, está interessado em saber sobre ideologia, e termos como “esquerdismo”, ”comunismo”, ”venezuelização“, “ideologia de gênero“, ”progressismo“ e afins? Esse eleitorado mais pobre, especialmente, do nordeste, aonde Lula ainda é visto como uma espécie de “pai dos pobres” é quem deverá definir as eleições, uma vez que se constitui na maioria da população. Não caberia, no momento, tentar buscar votos dessa faixa do eleitorado de classe social mais baixa e de menor escolaridade mediante um discurso ideológico, baseado em pautas que só fazem sentido a uma classe média temerosa de perder seus bens para um suposto comunismo e “venezuelização“ do país, conforme assim se prega contra o PT.
Discurso não-ideológico
Se Bolsonaro quiser vencer essas eleições, necessita focar nessa parcela do eleitorado para quem o discurso ideológico não poderá ser estratégia. É preciso que se fale para essas populações de coisas mais objetivas e que façam sentido a seu cotidiano, a exemplo de levar esperança e uma perspectiva de uma vida melhor, materialmente, com mais comida na mesa, controle da inflação, mais emprego, vagas nas creches, melhor qualidade nos serviços de saúde, programas habitacionais, e inclusive, lembrando que há regiões do Nordeste em que falta até água, onde se recorre a caminhões-pipa. O discurso “anticomunista” baseado no medo de que aqui vire uma Venezuela ou Argentina não encontra eco em massas populacionais que já vivem uma espécie de “venezuelização” devido a precarização em que sempre viveram. Medo da fome da Venezuela quando já se passa fome desde que se entende por gente? Simplesmente, é apresentar um discurso completamente descolado da realidade. Depois, não entendem porque as populações mais pobres, principalmente, do Nordeste, preferem o PT. Esse eleitorado conta com a memória do governo Lula, bancando todos aqueles programas sociais. Se tudo aquilo ocorreu com muita corrupção correndo solta por detrás, para os contemplados, sinceramente, é um assunto que tais populações mal compreendem. Infelizmente, combate à corrupção ainda será uma pauta distante de ganhar a devida importância quando se conta com tanta pobreza e miséria em algumas regiões do país. Para quem vive em regiões mais ricas como no Sul e Sudeste, talvez, essa realidade seja incompreensível. Mas, somos um país múltiplo, de realidades muito distintas. Então, o que é crucial para uma classe média mais escolarizada não tem significado algum para quem vive na miséria. Seria como tentar explicar grego a quem fala latim.
Se Bolsonaro quiser ser reeleito, terá de ajustar seu discurso a essa parte esquecida do eleitorado. Que não está fazendo barulho na internet. Que não está nos grupos de Whatsapp compartilhando fake news, que nem faz ideia do que seja progressismo ou comunismo, que não é politizada, que não se mune de discurso ideológico algum. Mas, que tem o discurso de quem clama por comida na mesa, emprego, vagas nas escolas públicas, melhor atendimento no SUS, saneamento básico, enfim, que pedem por coisas mais simples do que combater o avanço da China comunista e do Foro de São Paulo. Esse eleitorado não faz barulho na internet nem nas motociatas, não pede fechamento do STF nas ruas no Sete de Setembro, nem impeachment dos ministros da Suprema Corte, mas, vota. E faz uma diferença surpreendente no percentual final.
Discurso de empatia
Esse eleitorado esquecido por tantos discursos ideológicos possivelmente tenha encontrado mais empatia a suas necessidades no discurso petista. Eleição tem muito mais a ver com falar a língua do eleitor, refletir de forma empática suas demandas, do que com uma prática e um discurso pautados em verdades profundas, honestidade e sinceridade. Ou o candidato sabe dialogar com o eleitorado do qual necessita apoio ou perderá para o adversário que melhor souber oferecer esse respaldo mesmo que, apenas retórico, a tais demandas. No segundo turno, os votos cativos, de viés ideológico, já foram conquistados. Será a vez de disputar justamente os votos dos mais pobres, do eleitor não-politizado, que é sempre a maioria e quem decide uma eleição para presidente.