Os meses que antecederam as eleições presidenciais no Brasil em 2022 produziram cartas e documentos assinados pela sociedade civil com importantes contribuições para o país que se quer no futuro, mas também geraram muitas dúvidas e especulações sobre qual será o rumo do país com a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
No período de pré-eleição, foram muitas as propostas encaminhadas por entidades ligadas ao setor produtivo, centros de pesquisa, grupos independentes de especialistas e ONGs. A título de exemplo, “Diretrizes Prioritárias” para o Governo Federal no próximo quadriênio, elaborada em conjunto pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), foi uma das que conquistaram notoriedade no noticiário nacional.
O ponto de consenso entre a maioria dos documentos trata, justamente, da urgência e da viabilidade da Reforma Tributária, assunto antigo, mas que ganhou força do Governo Bolsonaro e também no futuro Governo Lula.
No que tange à Reforma Tributária, assim compreendida como uma alteração profunda no Sistema Tributário Brasileiro, tramitam no Congresso Nacional duas propostas de Emenda à Constituição. Trata-se da PEC 45/19 e da PEC 110/19.
Ambas as PECs visam a simplificação da tributação sobre a produção e a comercialização de bens, bem como a prestação de serviços, cuja competência é atualmente compartilhada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
As duas propostas visam a extinção de uma série de tributos, consolidando as bases tributáveis em um imposto sobre bens e serviços (IBS), nos moldes dos impostos sobre valor agregado cobrados na maioria dos países desenvolvidos; e um imposto específico sobre alguns bens e serviços (Imposto Seletivo), assemelhado aos excise taxes (impostos especiais sobre o consumo).
Com relação ao IBS, a PEC 45/2019 pretende substituir cinco tributos já existentes (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Já a PEC 110/2019 pretende substituir nove tributos já existentes (IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS e ISS) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
No que tange ao Imposto Seletivo, a PEC 45/19 propõe impostos de índole extrafiscal, cobrados sobre determinados bens, serviços ou direitos com o objetivo de desestimular o consumo. Por outro lado, a PEC 110/19 prevê um imposto de natureza arrecadatória, a incidir sobre operações com petróleo e seus derivados, combustíveis e lubrificantes de qualquer origem, gás natural, cigarros e outros produtos do fumo, energia elétrica, serviços de telecomunicações a que se refere o art. 21, XI, da Constituição Federal, bebidas alcoólicas e não alcoólicas, e veículos automotores novos, terrestres, aquáticos e aéreos.
Além das alterações na tributação sobre bens e serviços, a PEC 110/19 propõe mudanças não previstas na PEC 45, sendo as mais relevantes a extinção da CSLL, que terá sua base incorporada ao IRPJ; a transferência do ITCMD, de competência estadual para a federal, com a arrecadação integralmente destinada aos Municípios; a ampliação da base de incidência do IPVA, incluindo aeronaves e embarcações, com a arrecadação integralmente destinada aos Municípios; a autorização de criação de adicional do IBS para financiar a previdência social; e a criação de fundos estadual e municipal para reduzir a disparidade da receita per capita entre os Estados e Municípios, com recursos destinados a investimentos em infraestrutura.
De acordo com estudos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), um sistema tributário mais racional e modernizado pode aumentar em 25% o potencial de crescimento do País. A partir daí, segundo especialistas, o Brasil poderia ser reconhecido internacionalmente pela eficiência e tomaria um rumo no processo da reindustrialização.
Entretanto, a Proposta de Emenda à Constituição passa por um rito legislativo mais complexo e depende de uma série de fatores jurídicos e políticos que dificultam a sua aprovação. Diante desse cenário, e tendo em vista a maior facilidade de aprovação, surgiram diversos projetos de lei tratando de assuntos mais pontuais.
Dentre esses projetos podemos citar o Projeto de Lei nº 2.337/2021 que prevê a instituição do Imposto de Renda retido na fonte sobre os lucros ou dividendos. A tributação abarca também os lucros ou dividendos cujos beneficiários sejam residentes ou domiciliados no exterior.
Pressupondo a indisposição do investidor em arcar com o imposto, a possibilidade de tributação dos dividendos faria com que algumas das principais ações da Bolsa de Valores perdessem competitividade em face de outros ativos.
O projeto ainda prevê a extinção da dedução dos juros sobre o capital próprio (JCP). Os juros sobre o capital próprio foram criados em 1995, período de altos índices de inflação no Brasil e são calculados a partir do patrimônio da companhia.
O fim da possibilidade de dedução dos JCPs para as empresas poderá ser traumático, uma vez que as corporações não poderão mais lançar mão deste mecanismo para aliviar a carga tributária.
Outro assunto que vem ganhando força, sendo inclusive uma das promessas do presidente eleito, é a atualização da tabela do Imposto de Renda de Pessoa Física, alargando a faixa de isenção para quem ganha até R$ 5.000,00.
Entretanto, é consenso entre os especialistas que alterações pontuais na tributação nacional não são o melhor caminho, uma vez que há nítida necessidade de uma mudança profunda em nosso Sistema Tributário inclusive com uma reforma sistematizada abrangendo outros ramos do Direito.
Nesse sentido, uma declaração do ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, talvez seja a mais oportuna para prosseguir com nossas reflexões a respeito da Reforma Tributária. Segundo ele, o Brasil está tão defasado que o mais acertado hoje seria “reformar a ideia de reforma”. Isso corresponde a dizer que os objetivos e os temas das reformas se ampliaram ao longo do tempo. Transformações do ordenamento jurídico em áreas como a previdenciária, trabalhista e a tributária deveriam ocupar uma pauta permanente diante das mudanças constantes da realidade nacional.
Nicholas Coppi é advogado, especialista (IBET) e mestre em Direito Tributário (PUC/SP). Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie