Mesmo quando se quer analisar um assunto sob o ponto de vista jurídico e sem nenhum viés político, se faz necessário iniciar com uma série de esclarecimentos. O texto não tem a intenção de favorecer nenhum dos pólos ou o centro político, não é de oposição ou situação, não é “isentão” (como se denomina atualmente aqueles que não aderem a nenhuma doutrina), e não há ideias pré-concebidas. A análise pensa simplesmente em um projeto de bem para o país, a iniciar pela melhoria das condições de vida de todos.
Iniciando pelo futuro, imaginemos o período pós eleições (com a premissa de que elas ocorram sem sobressaltos), a posse do novo Presidente eleito e o que esperar do novo governo. A árdua batalha eleitoral terá acabado e agora é hora de governar o Brasil.
Supondo que o vencedor seja um governante de esquerda, o que vem sendo dito na campanha de Lula é que a grande tendência será a de abolir o teto de gastos, deixando em segundo plano a responsabilidade fiscal. O discurso será o de vamos gastar porque o que interessa são programas sociais que retirem o povo da pobreza e depois pensamos no resto.
Só que o fim do teto de gastos e o consequente inchaço dos gastos públicos, não são um tema meramente ideológico. A legislação brasileira foi alterada, criando-se a lei de responsabilidade fiscal justamente para evitar que se gaste sem medida, que se tenha sempre uma gestão deficitária.
Obviamente que, além do mencionado, o aumento de gastos vem acompanhado do loteamento político de cargos entre as forças políticas que auxiliaram na eleição e outras medidas como liberação de emendas ao parlamento, medidas que debilitarão a economia e trarão em seu bojo o crescimento da inflação, a alta de juros como forma de conter o consumo e a diminuição de investimentos estrangeiros e insegurança jurídica. Já vivemos isso no passado.
Por esse raciocínio econômico podemos concluir que a vitória da esquerda deve gerar dificuldades que poderão, em última análise, nos levar a uma nova recessão. E isso sem mencionar ideias como a revogação da reforma trabalhista, a revisão de desestatizações que trarão ainda maior prejuízo.
O que pode nos desanimar é que, não bastasse o cenário do day after com a esquerda, a perspectiva com uma reeleição da direita também não traz um cenário animador.
A gestão atual fez alianças (que prometia jamais fazer) como vários governos ortodoxos anteriores, inclusive com os mesmos protagonistas do denominado Centrão e outros partidos tendenciosamente governistas (seja qual for o governo).
Uma vez eleito, o Presidente deve tomar medidas que garantam seu governo até o fim do mandato, sem risco de que o Presidente da Câmara dos Deputados aceite algum pedido de Impeachment contra ele. Após a Constituição Federal de 1988 já tivemos o Impeachment de Fernando Collor e Dilma Rousseff.
Denominam nosso sistema político como um presidencialismo de coalização que certamente estará presente no próximo governo. Escândalos como o mensalão tinham como fundamento arrecadar dinheiro para a obtenção de apoios políticos. Descobriu-se e condenou-se, mas não alterou a lógica do sistema.
Tivemos então o Petrolão, onde os indicados políticos para empresas estatais (sobretudo a Petrobras) foram cooptados por empreiteiros, que pagavam a ele propinas e também a políticos. A operação Lava-Jato teve o mérito de expor os desvios ocorridos, mas, por erros e atropelos de investigação e processuais, teve suas decisões comprometidas e anuladas.
Sob o ponto de vista da população, restou a ideia de que houve “roubos” de dinheiro público, mas, no final, todos estão se safando. Não há a compreensão dos mencionados erros processuais, mas sim uma brusca mudança de direção do Judiciário.
Afinal, as indicações políticas existem também para órgãos do Poder Judiciário e a princípio tudo isso permanecerá existindo. Os tribunais superiores são vistos e analisados com base em quem indicou cada Ministro e não na isenção de cada um deles.
A percepção de que Tribunais Superiores mudam de direção ao sabor do vento, traz consigo a acusação de ativismo judicial cuja origem pode estar na Carta Magna de 1988 que, ao permitir a interpretação vertical e horizontal das normas constitucionais, gera uma interferência excessiva do Judiciário no dia a dia do país. Muitos dizem que Ministros interferem demais nos outros Poderes, porém, a Constituição lhe atribuiu essa competência. E isso, a princípio, também não mudará.
Qualquer que seja o eleito, a batalha judicial tomará a nação. A esquerda acusando o Presidente de vários crimes de responsabilidade e de abuso do poder eleitoral e exigindo sanções por parte da Justiça Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal. A direita ameaça não reconhecer o resultado eleitoral se suas exigências não forem acatadas, já que o atual TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não possuiria imparcialidade para conduzir o pleito e as urnas eletrônicas não são confiáveis.
Por isso, a intenção deste texto é pensar no day after, que acaba esquecido diante da guerra política e de acusações diárias. A questão é: como será gerido o país no próximo e subsequentes governos, com reformas estruturais necessárias, sendo que tudo isso ainda não surgiu nas pré-campanhas eleitorais.
Mas há um valor fundamental para todos os brasileiros, o de poder pensar livremente e em um regime democrático. Por isso, guerras à parte, é fundamental que todos os cidadãos defendam a democracia e não aceitem viradas de mesa e outros tipos de golpismos. A premissa é a manutenção da democracia.
Após as eleições e a proclamação do vencedor, a sociedade deve reavaliar com muita serenidade se a Carta Magna Cidadã de 88, com nobres princípios e cláusulas pétreas, se mostra efetiva para atender aos anseios da sociedade. O movimento de desestabilização da democracia desenvolveu-se debaixo desse manto constitucional que permitiu que em nome da liberdade de expressão e outras invocações se desestruturasse várias instituições.
Caberá amplo debate sobre todos os temas supracitados, mas é preciso governabilidade (para qualquer governo) e pensar que eliminar o presidencialismo de coalização e ter uma reforma judicial podem ser excelentes pontos de partida.
Francisco Gomes Júnior – Sócio da OGF Advogados. Presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP). Autor do livro Justiça Sem Limites. Instagram: https://www.instagram.com/ franciscogomesadv/