quinta-feira, 19 de setembro de 2024
Cobertura sobre acidente aéreo excede-se em sensacionalismo que não atende a fins de interesse público

Vanessa Martins de Souza

Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

Cobertura sobre acidente aéreo excede-se em sensacionalismo que não atende a fins de interesse público

A imprensa brasileira, tradicionalmente, costuma primar pelo sensacionalismo. Essa característica é mais notória quando se trata de grandes tragédias, a exemplo desta com o voo da Voepass Linhas Aéreas, cuja aeronave caiu em Vinhedo. Pelo visto, teremos um mês, pelo menos, de uma cobertura repetitiva, especulativa, transmitida a exaustão até que o relatório preliminar da Cenipa seja divulgado, dentro da previsão de trinta dias. Enquanto isso, a imprensa “enche linguiça” com matérias e comentários que não servem a utilidade pública, mas, sim, saciam a curiosidade, um tanto mórbida, até, do público. Encontra-se de tudo na imprensa e em canais e páginas dos veículos nas redes sociais. Desde especulações em canal de TV sobre o “porquê” o avião teria caído em “parafuso chato” em que o “especialista” fala, fala, e não chega a conclusão alguma, até entrevista com médico legista assegurando que as vítimas teriam morrido inconscientes devido a queda brusca em alta velocidade.

 

Exaustão e morbidez

Nas redes sociais, veículos de imprensa, grandes e pequenos, dedicam-se a postar de tudo, até, as últimas mensagens deixadas no Whatsapp pelas vítimas, as últimas fotos, a última imagem flagrada por uma câmera de rua num último abraço de despedida antes da chegada ao aeroporto, o último story antes do embarque, a última foto dentro do avião, a imagem da comissária fechando a porta da aeronave… Nestes tempos em que o telefone celular acompanha o ser humano literalmente até os seus últimos minutos de vida, torna-se bastante pesado e excessivo conviver com os resultados de tanta tecnologia quando uma tragédia como essa acontece. Ficamos sabendo até da última mensagem da comissária do fatídico voo, enviada ao marido poucos minutos antes da queda da aeronave…

 

Fascínio por tragédias

O ser humano sempre teve fascínio em acompanhar histórias trágicas e notícias de tragédias, em todos os seus mínimos detalhes. A Psicologia, a Psicanálise, a Filosofia, a Sociologia, debruçam-se a estudar sobre esse fascínio há tempos. As mídias, cientes da tendência humana em sentir-se irresistivelmente atraído por tragédias, acidentes e desgraças, exploram esses acontecimentos a exaustão. Muitas vezes, não com o intuito de informar e levar informações de utilidade pública. Mas com o objetivo de emocionar, comover… Ou gerar revolta, indignação, medo ou direcionar a opinião pública para conclusões que, nem sempre, correspondem a realidade dos fatos.

 

Utilidade pública

É importante que o consumidor de notícias tenha discernimento e saiba selecionar informações e matérias que realmente reflitam o caráter de utilidade pública que toda notícia deve representar. Além de não ser manipulado por conclusões precipitadas que eventualmente algum veículo tente induzir o espectador, a saúde mental da população agradece. Qual a utilidade em saber sobre o estado em que os corpos das vítimas foram encontrados? Em ler que houve um morador que supostamente teria visto corpos espalhados no quintal, contrariando o que disse a equipe de resgate? A cobertura jornalística não deixa passar em branco nenhum detalhe ao público. É tudo pela notícia, pelo “furo”, pela manchete de maior apelo emocional…

 

Saúde mental

Mas, o quanto acompanhar por dias e dias esse tipo de noticiário pode estar afetando a saúde mental das pessoas deveria ser uma preocupação. Se não é da imprensa, deveria ser dos espectadores. O Brasil é um dos campeões mundiais em depressão e ansiedade na população. Não bastassem as tantas tragédias e problemas diversos no cotidiano, ainda contamos com tragédias eventuais como essa da Voepass, exploradas de forma exaustiva e repetitiva pela imprensa e mídias sociais. O efeito dessa cobertura indecente, sensacionalista, é bastante perceptível nas redes sociais. Nas páginas dos jornais e canais de TV, os comentários que se vê são de pessoas revoltadas, ou apavoradas com a tragédia e muito intolerantes a opiniões contrárias. Todo mundo quer dar seu pitaco, tornando-se “especialista” em aviação do dia para noite, ”perito” em acidentes aéreos. E há ainda aqueles que querem calar os revoltosos, censurar os que criticam a empresa, a segurança das aeronaves, enfim, um pandemônio…

 

Overdose de notícias

A impressão é que o brasileiro ficou com os nervos à flor da pele por causa deste acidente. Na verdade, estar com os nervos à flor da pele é sintomático de overdose de informações sobre o acidente. Não há saúde mental que resista a uma cobertura tão exaustiva e desnecessária sobre uma tragédia. Que esta tragédia na aviação comercial traga, ao menos, informações importantes para as companhias aéreas e profissionais da área a fim de se evitar novos acidentes. Que haja aprendizados a partir de eventuais erros e descasos. Fazia dezessete anos do último acidente com a aviação comercial no país. Passamos bons anos sem notícias tão tristes como essa no território nacional. A expectativa é que a Justiça seja feita, após as responsabilidades apuradas. Porém, não é preciso sensacionalismo da imprensa para que o consumidor brasileiro torne-se mais atento e exigente quanto aos serviços das companhias aéreas. Reportagens apelativas emocionalmente podem, até, surtir um efeito contrário de desvio de foco. O que importa, agora, é desejar conforto às famílias enlutadas e que as investigações prossigam com o máximo de responsabilidade e comprometimento em levar ao público as conclusões da perícia.

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