O telejornalismo da CNN Brasil veiculou, na quarta-feira, dia 19, reportagem histórica sobre os atos do dia 8 de janeiro em Brasília, que resultaram em invasão e depredação das sedes dos três poderes. As imagens veiculadas atendem aos anseios de grande parte da população brasileira a respeito do que realmente aconteceu durante a invasão. Trata-se da veiculação de momentos importantes de mais de 160 horas de gravação feitas por 22 câmeras de segurança do Palácio do Planalto no momento da invasão dos vândalos. O material “vazado” com exclusividade à CNN estava de posse do STF, em inquérito sigiloso. Após a matéria da CNN, as imagens estão sendo analisadas pela Polícia Federal.
Conivência e omissão
Acredito que já não havia dúvidas para ninguém que a invasão aos três poderes havia sido facilitada pelas forças de segurança. Inclusive, o próprio presidente Lula comentou, no dia 13 de janeiro, que acreditava que teria havido conivência das forças de segurança do próprio Palácio do Planalto, não somente da PM do Distrito Federal. As imagens divulgadas pela CNN confirmam as desconfianças, contudo, vão além, responsabilizando o próprio ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) recém-nomeado por Lula, o general da reserva Marco Edson Gonçalves Dias. O ministro aparece nas imagens, em meio aos invasores, em postura absolutamente conivente, omissa, perante a atuação dos vândalos. Outros membros da estrutura do GSI também aparecem nas imagens junto com os invasores. Os vândalos, inclusive, são vistos recebendo cumprimentos de membros do GSI e até copo d’água é servido a um invasor. Imagens da área externa, também, mostram o recuo das tropas de segurança perto da entrada do Palácio.
Imagens bombásticas
As imagens representam uma verdadeira “bomba” jogada no centro do Palácio do Planalto, uma vez que se trata de um ministro da mais alta confiança do governo Lula. O general Gonçalves Dias atuou na segurança pessoal de Lula durante os dois mandatos presidenciais anteriores, de 2003 a 2010. No governo Dilma, foi chefe da Coordenaria Institucional.
Convocação de Ministro do GSI
Em razão da gravidade das revelações trazidas pelas imagens de 22 câmeras, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados convocou o ministro do GSI para prestar esclarecimentos, na quarta-feira (19). O ministro não compareceu, justificando problemas de saúde, por meio de atestado médico. Comenta-se que teria passado mal ao saber do vazamento das imagens à CNN. A comissão, presidida pelo deputado Ubiratan Sanderson (PL-RS) fez, por meio de requerimento, uma nova convocação ao ministro.
Oposição comemora
A oposição comemora o vazamento das imagens, alegando que o presidente Lula havia decretado sigilo ao material justamente porque sabia que incriminaria um ministro da sua mais alta confiança. Governistas alegam que se trata de inquérito sigiloso no STF, não tendo havido nenhuma interferência de Lula para a não-divulgação das imagens, pois, se trataria, apenas, em função da natureza sigilosa de investigações desse teor. Mas, a Folha de São Paulo havia pedido a divulgação das imagens, com base na Lei de Acesso a Informação, sendo negada a solicitação.
“Má-fé“ do ministro
A grande questão ainda a ser respondida dá-se em torno de se houve interesse do governo Lula em facilitar as invasões ou se tudo não passou de negligência e incompetência do ministro considerado “guarda-costa” do petista. O ex-ministro do governo Dilma, José Eduardo Cardozo disse a CNN que a maior parte do pessoal da estrutura do GSI ainda era do governo Bolsonaro, afinal, os atos aconteceram apenas uma semana depois da posse de Lula. A justificativa é de que aquele pessoal do GSI visto nas imagens era ainda gente nomeada pelo general Heleno, do governo Bolsonaro. Também, há a informação na imprensa de que o ministro Gonçalves Dias havia garantido a Lula, um dia antes da invasão, que toda a equipe do GSI havia sido trocada por pessoal de confiança do governo petista. Mas, que, na verdade, isso ainda não havia ocorrido em 8 de janeiro. O ministro ainda contava com quase toda equipe do general Heleno. E que, por isso, o ministro Gonçalves Dias estaria sendo escanteado no Planalto, desde os atos do dia 8. Inclusive, comenta-se que Lula já vem sendo aconselhado a demiti-lo, desde o vazamento das imagens.
CPMI do dia 8
É curioso observar que as imagens vazaram à CNN um dia após muita indignação popular em decorrência da não-instauração da CPMI – Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos atos do dia 8, no Senado. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, havia dito que a CPMI seria instaurada no dia 18, tendo confirmado até para a imprensa. No “tapetão”, o governo Lula fez de tudo para barrar a CPMI e conseguiu. Mas, muito provavelmente, não contava com a reportagem histórica da CNN no dia seguinte. A certeza é que a pressão para que a CPMI seja instalada só aumenta e que o governo Lula e parlamentares governistas encontram-se em grandes dificuldades de criar uma narrativa convincente para que a CPMI não saia. As imagens do dia 8 são muito reveladoras e não deixam margem de dúvidas de que o GSI foi, no mínimo, conivente à invasão. O presidente Lula, se quiser limpar sua barra, pelo menos, um pouco, deve demitir o ministro Gonçalves Dias. Entretanto, se quiser provar que não tem nenhuma responsabilidade pelo que aconteceu no dia 8, deve desistir de impedir a CPMI. Afinal, pesa contra o governo, também, o alerta da ABIN feito no dia anterior a invasão, dando conta de que havia planejamento de atos em Brasília com o intuito de derrubar o novo governo. Mensagens referentes a “tomar o poder” chegaram ao núcleo central do Palácio, enviadas pela ABIN. O ministro da Justiça, Flávio Dino, sabia do alerta da ABIN. Mas, decidiu apenas, em ofício ao governador do Distrito Federal, impedir a circulação dos ônibus, deixando os manifestantes chegarem a pé aos locais da manifestação. O GSI tem a prerrogativa de utilizar o chamado “plano escudo” para proteger os Palácio do Planalto, bem como o Alvorada, e o Jaburu, sem a necessidade de instalar a GLO – Garantia da Lei e da Ordem.
Enfim, o próprio bom senso não deixa dúvidas de que o GSI poderia ter feito sua parte para impedir a invasão e os atos de vandalismo. A passividade e a omissão da estrutura do GSI estão escancaradas nas imagens das câmeras de segurança. Lula não sabia de nada? Tudo teria sido responsabilidade do ministro que traiu sua confiança? A CPMI dos atos do dia 8 precisa ser instaurada, sob pena de muito desgaste para o governo Lula. Com ou sem CPMI. Acima de tudo, o povo brasileiro tem direito de acompanhar uma apuração de responsabilidades pluripartidária, para além da sindicância interna que já vem sendo realizada pelo GSI.