por José Pio Martins
Há expressões que percorrem um caminho tortuoso: começam significando algo relevante, adquirem importância científica, passam a sofrer interpretações e críticas com conotação ideológica ou religiosa, viram alvo de debates nervosos e irritados… e por fim acabam não se prestando mais para conceituar e identificar claramente seu objeto, significado e abrangência. A razão dessa transmutação é que entram em cena as paixões humanas, e estas, sobretudo quando extremadas, prejudicam a compreensão dos fenômenos naturais ou sociais.
Uma dessas expressões é “positivismo”, que pode ser definido com uma doutrina filosófica ou um sistema para organizar as ciências experimentais na busca do conhecimento, em substituição à ideia de entender a natureza e os fenômenos por meio de teorias metafísicas ou teológicas, e tem como pai o filósofo francês Auguste Comte (1798-1857), embora também se atribua a copaternidade a John Stuart Mill (1806-1873), um misto de filósofo e economista.
Há polêmicas fanáticas envolvendo o positivismo, que decorrem da tese positivista de que o método científico é a única fonte válida do conhecimento. Ou seja, para conhecer a natureza é preciso consultar a natureza, não os deuses ou os astros. O mantra de que o aumento do conhecimento somente vem com mais ciência e menos religião teve efeito explosivo nos círculos da filosofia, da ideologia, da igreja e da política, e teve lugar principalmente no tempo da Revolução Industrial, o século 18.
O positivismo elegeu o método científico como a base do progresso da ciência e da inovação tecnológica, nos termos propostos por Galileu Galilei, no século 16, com suas quatro etapas: observar um fato concreto, fazer uma pergunta sobre o fato, formular uma hipótese em resposta, realizar uma experiência controlada e válida para confirmar ou negar a hipótese. Para o positivismo, o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro, e somente a comprovação por métodos científicos válidos pode garantir que uma teoria é correta.
Atualmente, em certa medida a ideologia substituiu a religião como fonte de fanatismo (que é uma espécie de admiração cega e excessiva que dispensa provas e a busca da verdade). Além das ciências da natureza, o positivismo avançou para as ciências sociais, inclusive as ciências jurídicas, e reduz o Direito apenas ao que é fixado pelas autoridades que detêm poder político para impor as normas jurídicas, sejam elas morais ou não. Ditadores como Hitler, Fidel, Stalin e Pinochet mataram gente de seu povo sob o respaldo de leis. Era imoral, mas era legal.
Os processos e as sentenças das operações de combate à corrupção estão eivados desse ambiente de reações contra ou a favor com base em ideologia ou fanatismo político-partidário. Seguramente, a maioria dos fanáticos de um lado e de outro não leu os processos e as sentenças, e baseia suas opiniões apenas em sua crença ideológica ou opção partidária, longe dos aspectos jurídicos e dos detalhes técnicos.
O positivismo provou sua utilidade no campo do progresso e das invenções tecnológicas usadas nos processos produtivos. No espectro das ciências físicas, o método científico e os princípios do positivismo provaram seu valor e sua eficácia. No mundo das ciências sociais, ainda que seu prestígio seja grande, o positivismo sofreu sérias contestações. Talvez a melhor atitude seja não se pôr contra ou a favor do positivismo, mas de adotá-lo onde ele é útil e dispensá-lo onde ele não serve.
José Pio Martins
Economista, é reitor da Universidade Positivo.