Os últimos dias entrarão para a história do país como um dos mais surpreendentes. Apesar de muitos brasileiros ainda estarem preocupados com o novo coronavírus, as manifestações populares em favor do Presidente da República no último 7 de setembro foram expressivas, especialmente em Brasília e São Paulo. Outras capitais, como Rio de Janeiro e Curitiba, por exemplo, também levaram os eleitores da direita às ruas. Assim, ficou claro que Jair Bolsonaro ainda conta com expressivo apoio popular, o que lhe coloca, sem dúvida, na disputa à reeleição em 2022.
O discurso na Avenida Paulista foi ao encontro do que os milhares de apoiadores esperavam. Bolsonaro atacou o ministro do STF, Alexandre de Moraes, afirmando que não mais cumpriria suas decisões judiciais antidemocráticas e inconstitucionais. Além de propor desobediência a seus atos, Bolsonaro falou que Moraes “açoita” a democracia brasileira. Ele clamou por “liberdade” a presos que, em sua visão, foram encarcerados por motivações políticas.
“Carta de pacificação”
Em um dia muito acalorado, o discurso fez o público vibrar, possivelmente, na esperança de que as coisas mudariam daquele momento em diante. Afinal, entre os motes da manifestação estavam pedidos de impeachment de Alexandre de Moraes e até o fechamento do STF. E as coisas realmente mudaram já no dia 9, mas de forma totalmente inesperada, tanto para os bolsonaristas como para a surpresa de toda uma nação. Nesse dia Bolsonaro apresenta uma “carta de pacificação” ao STF, elogiando, inclusive, o saber jurídico do ministro e desculpando-se pelos ataques, alegando terem sido ditos “no calor da hora” durante as manifestações. O grande pacificador foi o ex-presidente Michel Temer (MDB-SP), chamado a Brasília para acalmar os ânimos entre os três poderes.
Recuo estratégico?
Muitos apoiadores do presidente expressaram indignação com o recuo, tanto entre populares como entre lideranças e jornalistas, a exemplo de Rodrigo Constantino. Mas, logo começou-se a especular que o recuo seria “estratégico”, parte de uma negociação vantajosa para o Palácio do Planalto. Inclusive, fake news começaram a viralizar nas redes sociais sobre um suposto acordo para o STF revogar as ordens de prisão contra o jornalista Oswaldo Eustáquio, o líder militante Zé Trovão, foragido no México, e até Roberto Jefferson. A realidade logo revelou-se, com a imprensa noticiando que tais decisões não foram revogadas, ao contrário, Alexandre de Moraes não recuou um milímetro de suas decisões contra os bolsonaristas.
Ora, o que pensar, então, de um recuo tão insólito e surpreendente como esse? O fato é que o discurso de Bolsonaro na Paulista fez movimentar alguns partidos de Centro dispostos a pressionar o presidente da Câmara, Arthur Lira, a colocar em pauta o impeachment. O PSDB encabeçou essa movimentação. Mesmo Lira tendo se revelado bastante disposto a manter as coisas como estavam, sem acenar para alguma resposta mais dura aos rompantes do presidente da República na Paulista, não se pode negar que uma grave crise político-institucional estava instalada em Brasília. O Centrão poderia sofrer um racha, pois, certamente, ainda há partidos que encontram vantagens em continuar apoiando o governo.
Protagonismo do MDB
O que se pode extrair desse acordo “pacificador” com o protagonismo de Michel Temer? Primeiramente, que o MDB ainda é um partido importante em decisões derradeiras na História do país. Não é de hoje que se sabe que o MDB é o grande balizador em momentos relevantes em Brasília. De fato, o Centrão, de modo geral, e o MDB, em específico, é quem dá as cartas na política nacional. Uma das consequências prováveis desse acordo “pacificador” entre os poderes é, sem dúvida, o fortalecimento do Centrão, com vistas às eleições de 2022.
Então, sendo assim, a chamada candidatura de terceira via, que tanto já se articula, provavelmente, ganhará força. O objetivo é enfraquecer a polarização Lula/Bolsonaro, esquerda/direita, para as próximas eleições. Tanto que, após o anúncio da carta do presidente, noticiou-se que alguns partidos de centro estariam estudando a possibilidade de se permitir três candidatos no segundo turno para facilitar a eleição de um candidato da terceira via. A ideia é do senador Marcelo Castro, do MDB do Piauí, que foi encampada por parte da bancada do Podemos, a exemplo do senador Oriovisto Guimarães (PODE-PR). Contudo, dificilmente, os defensores da PEC – Proposta de Emenda Constitucional encontrarão tempo hábil para aprová-la a fim de que entre em vigor nas próximas eleições presidenciais. Para isso, teria de ser aprovada até outubro. Só no “tratoraço”, sem debates, atropelando-se os trâmites normais, seria possível.
Bolsonarismo dividido
Enquanto não chegam os desdobramentos desse acordo “pacificador”, sem saber o que realmente foi resolvido nos bastidores, o bolsonarismo se divide. Há apoiadores bastante decepcionados, alguns, até, revoltados, e há os que esperam uma demonstração da “grande estratégia” do presidente. Mas, tudo leva a crer que a estratégia, mesmo, partiu do Centrão e do jogo de forças políticas em Brasília, tendo o ministro do STF, Gilmar Mendes, como grande idealizador do encontro com Michel Temer.
Gilmar Mendes teria sugerido Michel Temer
Na quarta-feira (8), depois de gravar um pronunciamento pós 7 de setembro no gabinete da Presidência da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) sumiu por algumas horas, afirma reportagem do R7 Notícias. Em encontro fora da agenda, o presidente da Câmara foi ao STF para uma reunião com o ministro Gilmar Mendes e os ministros palacianos Ciro Nogueira (Casa Civil) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo). O objetivo da conversa era encontrar uma solução pacificadora à escalada de tensão entre os poderes causada pelos ataques desferidos pelo presidente Bolsonaro ao ministro Alexandre de Moraes. Durante o encontro, teria sido o ministro Gilmar Mendes quem sugeriu que chamassem Michel Temer a Brasília para marcar o gesto de pacificação. Lira, Flávia Arruda e Ciro Nogueira concordaram. Todos integrantes do Centrão, o acordo deve render dividendos político-eleitorais aos três e seus partidos.
Bolsonaro refém
Enfim, parece que o presidente Jair Messias Bolsonaro não passou de um grande refém de seus próprios rompantes e desatinos no afã de inflamar a massa apoiadora. Entretanto, dos males o menor. Se não fosse Michel Temer e sua proverbial diplomacia, teríamos um presidente da República em risco de ser julgado por “crime de responsabilidade” ao afirmar que iria descumprir decisões do STF. Agora, só nos resta aguardar.