Campanha de prevenção à gravidez precoce fomenta debate sobre realidade brasileira

Campanha de prevenção à gravidez precoce fomenta debate sobre realidade brasileira

 

“Tudo tem seu tempo – Adolescência primeiro, gravidez, depois”. Este é o slogan da campanha que a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, acabam de lançar, às vésperas do Carnaval, de prevenção à gravidez na adolescência. A ação tem como foco duas faixas etárias: de 15 a 18 anos e abaixo de 15 anos.

Torcida contra

Mal a campanha foi lançada, já pipocaram críticas de especialistas, apostando que a iniciativa não dará certo. A Defensoria Pública da União chegou a sugerir que a campanha não fosse veiculada nos meios de comunicação. A ministra, de fato, envolveu-se num debate controverso ao sugerir abstinência sexual aos jovens dessa faixa etária. Contudo, diante da polêmica, Damares amenizou o discurso esclarecendo que não se trata de propor abstinência, mas de gerar uma reflexão entre adolescentes, pais e a escola sobre prevenção à gravidez precoce. O programa faz parte da Semana Nacional de Prevenção à Gravidez Precoce, criada pelo presidente Jair Bolsonaro em janeiro de 2019. O termo ‘abstinência’ não aparece no vídeo de campanha apresentada na segunda-feira (03/02) e foi evitado durante o evento de lançamento, quando Mandetta e Damares preferiram expressões como “repensar” ou “retardar” o começo da vida sexual.

Marketing pré-campanha

No final das contas, a polêmica disseminada pela imprensa terminou por resultar num grande marketing pré-campanha, pautando debates e muitas reportagens sobre o tema. Se o objetivo principal da campanha é fomentar a reflexão, esta já começou, o que se revela muito válido e pertinente. Afinal, esse era um tema que vinha sendo jogado para debaixo do tapete durante sucessivos governos, tornando-se uma espécie de tabu. Em contrapartida, o ativismo pró-aborto nunca fora tabu na imprensa e entre o movimento feminista e políticos progressistas.

Progressistas x conservadores

No entanto, a sociedade brasileira não é composta por somente progressistas que pregam a liberação sexual dos jovens e o direito ao aborto financiado pelo SUS. Uma parcela considerável das famílias brasileiras é composta por gente bem mais conservadora do que comumente se pensa, entre elas, religiosos cristãos, em especial, evangélicos. Inclusive, entre alguns grupos evangélicos, destaca-se uma tendência entre jovens de buscar a abstinência sexual até o casamento. Se essa é uma boa ideia, se a proposta realmente funciona na prática, é outra discussão que cabe somente aos membros adeptos. Estamos num país livre onde é direito de cada um defender seus posicionamentos acerca do assunto. A realidade é que a campanha dos ministérios revela-se muito pertinente, visto que encontra ressonância não somente com a proposta de muitos grupos religiosos presentes entre as famílias brasileiras, mas por que coloca em evidência uma série de problemas socioeconômicos e de saúde pública no país.

Gravidez precoce preocupa OMS

Vejamos em dados mais objetivos o que a gravidez na adolescência implica. Em 2018, cerca de 15% do total de nascidos vivos foram de mães com idade até 19 anos, segundo dados preliminares do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC). Embora o número de gestações na adolescência venha caindo no país – passando de 721.564, em 2000, para 434.573, em 2018 –, o Brasil ainda tem uma taxa de 68,4 nascimentos para cada mil adolescentes e jovens mulheres entre 15 e 19 anos. O índice é elevado na comparação com a taxa mundial, de 46 nascimentos, e fica acima da média latino-americana (65,5 nascimentos), o que é uma preocupação da OMS (Organização Mundial da Saúde). De acordo com a pesquisa Nascer Brasil 2016, do Ministério da Saúde, 66% das gestações entre adolescentes não são planejadas. Cerca de 75% das mães adolescentes estavam fora da escola, segundo a PNAD 2013, o que pode gerar consequências sociais e econômicas para as mães adolescentes.

Maior mortalidade infantil

Outro estudo do Ministério da Saúde, chamado Saúde Brasil, indica uma das maiores taxas de mortalidade infantil entre mães mais jovens (até 19 anos), com 15,3 óbitos para cada mil nascidos vivos (acima da taxa nacional, de 13,4 óbitos). Isso porque além da imaturidade biológica, condições socioeconômicas desfavoráveis influenciam nos resultados obstétricos. Como disse o ministro Mandetta, o abandono da escola aumenta a mortalidade infantil, gera pobreza. É um ciclo vicioso que precisa, de alguma maneira, ser abordado”.

Conforme verificamos, não se trata apena de uma questão de moralidade. Trata-se de um problema de saúde pública que gera grandes consequências socioeconômicas e educacionais. Somente pelo fato de lançar uma campanha e fomentar o debate, a ministra Damares já ganha um ponto favorável. Enquanto a mídia nada faz para estimular a prevenção à gravidez e o planejamento familiar, ao contrário, hiperestimula a sexualidade precoce dos jovens a partir de sua programação televisiva, é preciso um movimento contrário para contrabalançar a atual cultura. Enquanto os bailes funks promovem verdadeiras orgias a partir de letras musicais que estimulam a erotização das “novinhas” e a promiscuidade sexual, regados a muitas drogas e bebedeiras, alguém influente precisava não se calar e tomar alguma iniciativa na contramão a esse cenário.

Reflexão entre alunos, pais e escola

É certo que os tempos são outros, os avanços na liberação sexual dos jovens modificaram a moral e os costumes, que não são mais os mesmos de décadas atrás. Não se trata de pregar um retrocesso a todos, uma vez que cada jovem parte de um núcleo familiar e social diferentes, com valores, costumes, moral e religiosidade diversos. Porém, é necessário fomentar a reflexão e o diálogo entre jovens e as famílias, e destes, com a escola. A orientação sexual e prevenção à gravidez deveria, idealmente, iniciar na família, mas, na maioria das vezes, isso não acontece. Cabe ao poder público, então, juntamente com a escola, chamar os pais e alunos para participar dessa empreitada, a fim de levar mais consciência e responsabilidade aos adolescentes.

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