Pouca gente sabe, mas um jovem curitibano, o padre Ildefonso Ferreira Xavier, figura entre as personalidades que ajudaram a construir a Independência do Brasil. Nascido na capital paranaense no dia 19 de agosto de 1795, ele tinha apenas 27 anos de idade quando entrou para a história. Poucas horas após o grito às margens do Ipiranga, partiu do padre Ildefonso, em um teatro lotado, o primeiro gesto público de reconhecimento a Dom Pedro I como o imperador do Brasil.
Em 1922, durante as celebrações do Centenário da Independência na capital paranaense, a praça Santos Andrade ganhou uma herma (semelhante ao busto, mas com as laterais terminadas em cortes retos) do padre Ildefonso. A escultura original, de bronze, foi restaurada pela Prefeitura Municipal, dentro do programa Rosto da Cidade, e está no Memorial de Curitiba. Na praça, desde 2020, encontra-se uma réplica feita em pedra.
Há 109 anos, a lei 372/1913, aprovada na Câmara Municipal de Curitiba (CMC) e depois sancionada pelo prefeito Cândido Ferreira de Abreu, também homenageou “um dos precursores da Independência do Brasil”. Localizada no bairro Batel, a rua Padre Ildefonso corta a avenida Visconde de Guarapuava e liga as avenidas Sete de Setembro e Batel.
O herói da noite
“Dom Pedro fizera a Independência, mas o padre Ildefonso proclamara-o o primeiro rei do Brasil”, registrou, na edição de 7 de setembro de 1910, o jornal paranaense “A República”. O curitibano se mudou para São Paulo, onde foi passou pelo seminário. Já ordenado, morava no Largo de São Gonçalo, atual praça João Mendes. Era considerado um grande orador, frequentava a sociedade paulista e defendia a liberdade brasileira.
“Começou na capital a grande glorificação da pátria”, ilustrou a capa do “Commércio do Paraná”, no dia 7 de setembro de 1922, primeiro Centenário da data histórica. Entre as reportagens da edição especial, o jornal destacou o papel do padre curitibano Ildefonso para o processo de Independência.
De acordo com o “Commércio do Paraná”, o padre Ildefonso era um “patriota exaltado, personalidade de relevo no partido brasileiro, que trabalhava por nossa emancipação política”. Ele teria sido um dos primeiros a saber “do episódio do Ipiranga” e, a partir daí, “apressou-se em ir participar a seus amigos a vitória da causa brasileira que tanto defenderam”. Segundo historiadores, o curitibano poderia estar receoso do “gênio versátil” do até então príncipe regente, cujo grito havia sido entoado “no recanto silencioso do Ipiranga”.
Na noite daquele 7 de setembro, o curitibano e outras figuras da sociedade paulista aproveitaram que o príncipe assistiria à peça “O convidado de pedra”. Com o Teatro da Ópera lotado, o padre Ildefonso “subiu numa cadeira e, de frente para o camarote imperial, olhando fixamente para Dom Pedro, estendeu o braço direito em direção ao príncipe e, com sua grande e poderosa voz, gritou, pulmões cheios, e por três vezes: Viva o primeiro rei do Brasil!”.
Na definição do historiador brasileiro Octávio Tarquínio de Sousa, o curitibano “virou o herói da noite diante daquele que havia sido o herói do dia”. Anos depois, o padre admitiu ter sentido medo de que não fosse correspondido, e até preso, pela manifestação. Dom Pedro, no entanto, contou o “Commércio do Paraná”, “se levantou e num largo gesto de aprovação agradeceu e aceitou a aclamação”. A multidão, então, explodiu, saudando o imperador.
“Foi grande orador sagrado e deixou muito dos seus melhores sermões em manuscrito; exerceu cargos eclesiásticos e políticos de muita responsabilidade”, escreveu “A República” na edição comemorativa dos 88 anos da Independência, na matéria intitulada “A influência curitibana na Independência”. “Era homem para agir e dominar.”
Conforme o jornal, o historiador Eugenio Egas o descrevia como “um homem belo. Alto, de estatura fora do comum, hercúleo, muito claro, cabelos louros, ligeiramente crespos, olhos azuis, grandes, rasgados, fulgurantes, derramando sobre sua face uma luz serena de bondade, boca pequena com dentes muito brancos, lábios finos, que, em leve sorriso, deixavam perceber a doçura de um coração sempre aberto ao bem, distinto de maneiras, sempre esmeradamente trajado”.
Após o episódio do Teatro da Glória, padre Ildefonso ainda se formou no curso de Direito, em 1834. O sacerdote lecionou latim, teologia, retórica e moral. Na política paulista, foi deputado provincial e vereador. Também colaborou com os conselhos provinciais Geral e do Governo.
O curitibano faleceu no dia 29 de novembro de 1871, aos 76 anos de idade, e está sepultado no Cemitério da Consolação, em São Paulo. Além das homenagens na cidade natal por ter sido a primeira pessoa a aclamar Dom Pedro I publicamente, ele é retratado, por exemplo, em um quadro do Museu da Cúria Metropolitana de São Paulo.
Nossa Memória
Iniciado em 2009, pela Diretoria de Comunicação Social, o Nossa Memória é um projeto de resgate e valorização da história da Câmara Municipal e de Curitiba, já que ambas se entrelaçam. Além das reportagens especiais, a página reúne “Os Manuscritos”, com documentos desde a fundação da cidade, em 29 de março de 1693; e o “Livro das Legislaturas”, que mostra quem foram os vereadores da capital paranaense desde 1947. Também traz bancos de dados como o “Aconteceu” e o “Rua & História”, entre outros materiais com fatos marcantes da cidade, todos disponíveis para a consulta da população.