Afogados em informação

Afogados em informação

Durante as décadas de prática clínica como médico psiquiatra, vi muita coisa mudar em meus pacientes, e as mudanças nem sempre foram para melhor. O Pós-Parto, por exemplo. Os quadros na proximidade do Parto, como o Blues Puerperal e a Depressão Pós-Parto eram os achados mais importantes e me deixavam atento aos primeiros dias e às primeiras semanas do Pós-Parto. Hoje temos a Depressão Pós Amamentação e a Depressão Pós Pediatra. As mães são esmagadas de estatísticas e uma demanda de desempenho, o que não é surpresa, já que vivemos na Sociedade do Desempenho. Então entram no quarto uma equipe para falar da importância da amamentação. Se o leite demora ou há alguma dificuldade, a mãe já começa a se sentir menos. Se o aleitamento tem que ser interrompido, é um Deus que nos acuda. Depois, o pediatra. Aquelas curvas de percentil de ganho de peso, além dos períodos em que o bebê perde peso, e lá vem uma conversa cheia de estatísticas e precauções. Isso quer dizer que esse conhecimento acumulado é negativo? Não. Não é esse o ponto. O ponto é a sobrecarga de informação.

O conhecimento é fragmentado numa Babel de estudos e visões, onde o que falta mesmo é ter a visão do todo. Lembro com gratidão de ter tido um grande alívio quando um fantástico pneumologista italiano descreveu detalhadamente como a Infecção pela Covid progredia dentro dos Pulmões, em três fases que eram quase que três doenças diferentes. Isso em meados de 2020. Essa visão panorâmica me permitiu entender como a doença progredia e em que fase intervir. Apenas porque um craque da velha guarda descreve como a doença se instalava e progredia. Inútil dizer que até hoje tem gente que não entende a doença e sua progressão.

Era da Informação

Digo tudo isso porque, na era da informação, estamos perdendo a capacidade de interpretar e organizar essa informação. Perdemos a Sabedoria para trocá-la pelo Conhecimento, e o Conhecimento está fragmentado pelo excesso de Informação.

Isso acaba nos levando para uma perda meio coletiva de Memória. As avós não podem opinar sobre as curvas de ganho ou perda de peso, pois são de uma época pré histórica em que não havia aplicativos para orientar o aleitamento.

Vivemos uma euforia dos grandes pacotes de dados e do saber que vem com eles, mas isso implica, para muita gente, da perda da Memória de saber como isso era feito, o que estava certo, o que estava errado, e quem colocou o ovo em pé pela primeira vez.

Da janela do ambiente onde faço a minha bicicleta ergométrica dá para ver uma belíssima árvore que plantamos há vinte anos. Sempre tenho a impressão de algo magnífico quando a vejo. Um sistema complexo, que se comunica com as plantas que a cercam dentro e fora de nosso terreno. O sistema que encontra um perfeito equilíbrio com as formas de vida que alimentam e se alimentam dela.

Imagino o nosso organismo como um sistema ainda mais complexo que se mantém vivo e em equilíbrio com o mundo em nosso entorno. Quando esse sistema se desequilibra, tem uma grande sabedoria de buscar a correção desse desequilíbrio. A doença é quase sempre a tentativa de recuperar o equilíbrio perdido. Temos muito a ganhar com as novas tecnologias e as novas formas de conhecimento de nossos dias. Mas essa informação não serve para muita coisa se não for integrada com uma percepção profunda desse sistema, e da sabedoria para intervir de maneira harmônica e sábia, para trazer o bom funcionamento de volta.

Nossa Sociedade do Desempenho atropela o Tempo. E atropelar o Tempo nunca foi um bom negócio. O tempo e a memória estão bem conectadas com a Sabedoria. Estamos necessitados dos três, mais do que nunca.

Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação younguiano e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”

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