A cena se repete todos os dias em diferentes cidades do Paraná: sirenes, trânsito parado, mais uma motocicleta caída no asfalto, mais uma vida no chão. Só em Curitiba, foram mais de 7 mil acidentes com motos registrados em 2024 – o equivalente a 19 ocorrências por dia, segundo o Departamento Estadual de Trânsito do Paraná (Detran-PR). Em muitos desses casos, a notícia sequer chega a surpreender ou chocar. Devido à frequência com que se multiplicam os registros, a população passou a encarar como parte da rotina urbana. A campanha Maio Amarelo deste ano, que tem como tema “Mobilidade Humana. Responsabilidade Humana”, engloba esse e outros desafios do trânsito e convoca a sociedade a rever comportamentos, buscar investimentos em segurança para o trânsito e fortalecer práticas de segurança viária.
Para Everton Pedroso, presidente da Associação Paranaense de Inspeção Veicular (APOIA), o que deveria ser um alerta diário à sociedade está se tornando uma estatística invisível. “A frequência dos acidentes com motociclistas está anestesiando a população. Em sua maioria são homens jovens. Todos têm nome, história, família. É preciso reeducar o trânsito e investir em processos que contribuam para aumentar a segurança. É necessário frear essa banalização da morte”, afirma.
No final de abril, um motociclista de 18 anos perdeu a vida em Curitiba após ser atropelado e arrastado por um carro. Em março, em Foz do Iguaçu, outro episódio tirou a vida de um rapaz de 28 anos, que colidiu com uma árvore em uma das principais avenidas da cidade. “São vidas interrompidas e que trazem uma pequena amostra da rotina sangrenta no dia a dia do trânsito”, analisa Pedroso.
De acordo com a Polícia Rodoviária Federal no Paraná (PRF-PR), em 2024, 119 ocupantes de motocicletas morreram em sinistros nas rodovias federais que cortam o Estado. Ao todo, foram registradas 605 mortes no trânsito pela PRF-PR, um crescimento de 8,2% em relação ao ano anterior. Ao todo, 19,7% dos óbitos envolviam condutores de motos. A faixa etária mais afetada está entre 20 e 39 anos, justamente a mais ativa economicamente.
INFRAESTRUTURA, IMPRUDÊNCIA E OMISSÃO
Nas rodovias federais do Paraná, mais da metade das mortes ocorrem em trechos de pista simples, com destaque para colisões frontais — geralmente provocadas por ultrapassagens perigosas. A ausência de iluminação adequada também contribui para o alto número de atropelamentos, especialmente à noite ou ao amanhecer.
Somado a esse cenário, está a rápida expansão da frota de motocicletas, especialmente nas grandes cidades. Curitiba, por exemplo, teve um acréscimo de 47 mil motos em circulação em apenas um ano, elevando o risco nas vias e exigindo mais fiscalização, estrutura e educação.
Everton Pedroso destaca que toda motocicleta que passou por algum tipo de alteração deveria passar, obrigatoriamente, por inspeção veicular para que fosse autorizada a circular regularmente, como já ocorre com os carros e outros veículos. Essa análise técnica é capaz de identificar e corrigir falhas que, no uso cotidiano, passam despercebidas, mas que podem ter consequências fatais, como verificação do sistema de freios, iluminação, suspensão e outros itens. “Isso não deve ser visto como uma burocracia, mas como um ato de responsabilidade pública. Uma motocicleta em condições inadequadas é um risco não apenas para quem a conduz, mas para todos no trânsito”, argumenta.
EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL
Em países como Espanha, Alemanha e Japão, onde a inspeção veicular de motos é obrigatória, os índices de mortes no trânsito envolvendo motociclistas são consideravelmente menores que no Brasil. A regularidade da fiscalização técnica é apontada como um dos fatores que contribuíram para a queda sustentada das fatalidades.
Para a APOIA, isso começa com medidas objetivas: inspeção veicular obrigatória, campanhas educativas permanentes e mais fiscalização. Mas passa, principalmente, por um compromisso de todos com o valor da vida. “Enquanto as mortes se acumulam nas ruas, a indiferença cresce. Precisamos recuperar a capacidade de nos indignar — e agir. Um trânsito mais seguro depende de escolhas conscientes”, reforça Pedroso.