O Dia Internacional da Mulher de 2022 foi marcado por duas situações tristes, bastante desalentadoras em relação ao que dois homens públicos pensam sobre as mulheres. O primeiro deles aconteceu alguns dias antes e, todos sabem, creio, do teor do que foi dito pelo deputado estadual Arthur do Val, de São Paulo. Tudo leva a crer que terá seu mandato merecidamente cassado.
Desrespeito às mulheres
Os comentários do deputado foram inegavelmente repulsivos, revelando absoluta falta de respeito com as mulheres ucranianas e as mulheres em geral, pois, é natural deduzir que ele deva manter esse nível de pensamento a respeito de qualquer mulher. Penso que não há argumentação que possa ser empregada para minimizar o que foi dito pelo parlamentar. Ora, se o deputado nutre esse nível de percepção sobre as mulheres ucranianas, ou qualquer outra mulher, realmente necessita buscar um tratamento psicoterápico. Não há dúvidas de que conta com sérios problemas psicológicos e emocionais em relação a mulheres. Tais problemas poderiam ficar restritos a sua vida privada e pessoal, se não tivesse confiado em “amigos” de um grupo de Whatsapp, poderiam justificar alguns.
Vida pública e vida pessoal
Contudo, é possível crer que questões pessoais de um político não venham interferir em suas decisões e ações na vida pública? Poderíamos inferir que o quê um indivíduo é em sua vida pessoal não interfere na vida pública? Acredito que se torna impossível tudo o que somos e pensamos ser deixado de lado, deixado em casa, quando saímos para trabalhar. Não há duas pessoas diferentes dentro de nós: uma que vai ao trabalho, uma que se dedica a vida pública, e outra que se dedica a vida pessoal. Somos pessoas inteiras, compostas por tudo o que pensamos, sentimos, gostamos, acreditamos e valorizamos ou não. Só para citar um exemplo, alguém votaria em um candidato que comprovadamente tem atitudes agressivas em casa ou com amigos, na esperança de que vá se comportar de modo gentil e respeitoso na vida pública? É certo que ninguém é perfeito, todos temos defeitos e pontos fracos e não se espera perfeição de comportamento e personalidade para depositar confiança num candidato. Mas, para tudo há um limite de bom senso… O parlamentar de São Paulo, muito embora tivesse uma carreira política admirada por muitos, por combater a polarização entre Lula e Bolsonaro, errou barbaramente a partir desses comentários que acabaram sendo “vazados” à imprensa. E se não tivesse sido descoberto? Possivelmente, sua conduta em relação a mulheres seria desmascarada em algum outro momento. Máscaras sempre caem, mais cedo ou mais tarde…
Punições exemplares
É importante que condutas como essa, vindas de um político, sejam exemplarmente punidas, a fim de que não se minimize situações assim. Se não há maturidade emocional e de caráter para lidar com a vida pública, nem com a vida pessoal, é melhor que o sujeito seja posto em seu lugar e busque melhorar como pessoa e como homem se quiser voltar a política.
Esmalte e sapatos
A segunda situação, não tão grave como a anterior, obviamente, mas, que, também, desaponta, partiu do discurso do procurador-geral da República, Augusto Aras, que, durante seminário no Dia Internacional da Mulher, disse que atualmente as mulheres têm liberdade de escolher a cor do esmalte e os sapatos. O discurso estava indo bem, mas quando resolveu improvisar ao final, soltou essa “pérola”. Pode até ter ficado engraçado, a quem tem um senso de humor negro, mas, o comentário revela a mesma visão machista ainda conservada por muitos homens. A de que a mulher tem como função principal servir de adorno para deleite dos homens e que a busca da beleza e boa aparência deve ser uma constante. Não tenho nada contra a busca pela beleza e investimento na aparência pessoal. Pelo contrário. E sabemos que homens são muito visuais e lhes chama muito a atenção a aparência das mulheres. Um misto de tendências biológicas e culturais. Contudo, é, no mínimo, falta de tato, de empatia e percepção, exaltar essas características da mulher num dia de luta por direitos e oportunidades igualitários de gênero. Tantas qualidades e conquistas a serem destacadas para além do velho clichê sobre batom, esmalte, sapatos… Lamentável que um homem público tenha sua percepção sobre mulheres tão restrita…
Mais um clichê
Outra gafe cometida pelo Procurador foi enaltecer o dom da maternidade, de gerar a vida. Como se todas as mulheres quisessem ou pudessem ser mães… E como fosse uma conquista social…
Mulher-objeto
Enfim, esses dois homens públicos (guardadas as devidas proporções de cada caso), ainda enxergam mulheres como objetos para satisfazer homens, onde qualidades relativas a beleza e sexualidade são os pontos a ressaltar. Ao invés de mulheres que são sujeito das próprias vidas, plenas de autonomia e construtoras de seus respectivos destinos. Dois episódios tristes, preocupantes, que revelam o quanto ainda é preciso trabalhar para modificar a percepção que alguns (ou muitos?) homens têm do que é ser mulher em todas as nuances e possibilidades.