Todos os dias, a taxa Selic aparece nos noticiários, nos comentários de economistas e até em memes nas redes sociais. Mas, fora do universo técnico das finanças, poucos realmente compreendem o impacto que essa sigla aparentemente distante tem no dia a dia de pessoas e empresas. A verdade é que a Selic é uma espécie de maestro silencioso: rege a dinâmica do consumo, do crédito, dos investimentos e até da inflação, afetando, direta ou indiretamente, quase todas as decisões econômicas no país. A Selic é a taxa básica de juros da economia brasileira, definida pelo Comitê de Política Monetária (COPOM) do Banco Central. O Banco Central, por sua vez, é responsável por garantir a estabilidade monetária do país, com a missão de manter a inflação sob controle, além de zelar pelo bom funcionamento do sistema financeiro.
Para atingir esses objetivos, o principal instrumento utilizado é a política monetária, que se expressa justamente na definição dessa taxa. As reuniões do COPOM ocorrem a cada 45 dias. Nelas, o presidente e os oito diretores do Banco Central discutem o cenário econômico e votam a nova meta da Selic. A decisão impacta diretamente o custo do dinheiro no Brasil e se propaga por toda a economia. Embora pareça relevante apenas para economistas e investidores, seus efeitos chegam com força ao dia a dia de todos os brasileiros. Neste mês, o Copom elevou a Selic em 0,50 ponto percentual, para 14,75% ao ano, o maior nível em quase 20 anos, igualando o patamar registrado em julho de 2006.
A primeira manifestação é no controle da inflação. Em um cenário de inflação alta, o Banco Central tende a elevar a Selic para desestimular o consumo e frear a escalada de preços. O impacto, nesse caso, é sentido diretamente no poder de compra. Quando o dinheiro perde valor, compramos menos com a mesma quantia, um efeito que, embora muitas vezes invisível no início, se torna insustentável no orçamento familiar ao longo do tempo.
O segundo impacto é sobre o crédito. Uma Selic mais alta encarece o acesso ao dinheiro para consumidores e empresas. A lógica por trás desse movimento é a seguinte: se o banco pode emprestar dinheiro ao governo federal por 14,75% (taxa Selic atual) ao ano, considerado o investimento mais seguro do mercado, ele só aceitará emprestar a pessoas ou empresas cobrando uma taxa ainda maior, para compensar o risco de inadimplência. É aí que os juros ao consumidor disparam. E embora o racional do mercado seja compreensível, os efeitos sociais dessa lógica, como o endividamento crescente das famílias, são menos discutidos.
O terceiro efeito é sobre o investimento produtivo. Uma taxa básica de juros elevada muda completamente a forma como empresários tomam decisões. Imagine uma indústria avaliando se vale a pena investir milhões em uma nova planta. Essa decisão não depende só de viabilidade técnica, mas da expectativa de retorno em relação ao custo do capital. Quando a Selic está muito alta, o investimento precisa render muito mais para ser competitivo, o que, muitas vezes, inviabiliza projetos, freia a geração de empregos e desestimula a inovação.
Ao compreender esses efeitos, fica claro que a política monetária não é uma abstração técnica, mas um elemento concreto que afeta decisões estratégicas em todas as esferas. Da dona de casa que revê o orçamento às grandes corporações que adiam investimentos, todos são impactados, embora nem todos percebam. Discutir os rumos da Selic não é apenas um exercício de política econômica. É uma conversa sobre prioridades nacionais, sobre quem paga a conta do controle inflacionário e sobre quais setores serão incentivados ou sacrificados. Entender a Selic é entender o Brasil que estamos construindo, ou adiando.
Renato Moredo Ormeni, Consultor de Investimentos CVM na MZM Wealth. É formado em Administração de Empresas e possui MBA em Economia pela Fipe-USP. Tem certificação de Especialista em Investimentos pela ANBIMA.
