Parei no hospital por esses dias para acompanhar uma pessoa idosa da minha família que fraturou o braço direito. Cheguei no PS com ela já sentada numa cadeira, devidamente engessada e mascando chiclete. O médico me passou as recomendações para as próximas semanas e comentou que atendia cada vez menos casos como aquele. “Muito menos do que há dez anos, e muitíssimo menos ainda depois do TikTok”. Agradeci e fui me ajeitar com a parente, que queria um refrigerante. O comentário ficou na minha cabeça e decidi investigar.
As fraturas em crianças tiveram quedas significativas nos últimos cinco anos, especialmente entre jovens em Israel, nos EUA e no Brasil, segundo estudo da UFCAT. É um fenômeno que começou com a pandemia e que reforça uma mudança global. A jornalista e escritora Tania Menai descobriu recentemente que “um adolescente americano da atualidade é menos propenso a fraturar os ossos que alguém com a mesma idade 15 anos atrás” – e que seus pais e avós, ao contrário, têm mais chance hoje de sofrerem um acidente.
O motivo é o acesso contínuo à Internet. O médico que nos atendeu estava certo: crianças e adolescentes estão grudados nos smartphones e nas redes sociais interagindo cada vez menos entre si e em grupos, vivendo pouco para além da porta de suas casas. No Brasil, pesquisa do Comitê Gestor da Internet apontou crescimento na proporção de usuários de telas na faixa de nove e dez anos: de 79% em 2019, o índice saltou para 92% em 2021. O IBGE reforça que, no ano passado, mais de 90% dos brasileiros de 10 a 13 anos usaram a Internet diariamente – e mais da metade tinham celular.
O incremento da digitalização na infância e no começo da juventude, associado com a diminuição de joelhos esfolados, ossos quebrados e, vá lá, um ou outro ponto cirúrgico aqui e ali, traz consigo a ideia de que vivemos em um mundo com menos riscos. Os efeitos práticos da exposição permanente ao mundo virtual, entretanto, revelam uma epidemia de solidão. Isolada em seus quartos consumindo conteúdos de marcas e influenciadores, essa parcela da população tem enfrentado problemas de ansiedade e distorção corporal – 92% da Geração Z acreditam que a autoestima está conectada com a aparência e 20% gostariam de ser outra pessoa, segundo pesquisa da Dubu sobre o papel das marcas nos corpos brasileiros. Como resultado, de dez anos para cá, os casos de depressão entre jovens superam o de adultos no Brasil, aponta o SUS.
Os efeitos das tecnologias e de canais sociais dão margem para a construção de novas questões. A principal parece ser o quão gratificante pode ser uma vida mediada pela tecnologia. Evidentemente, ninguém quer ver crianças machucadas depois de brincar. Mas na medida em que a solidão aumenta e seus efeitos se fazem claros – a Universidade de Harvard revela que 75% dos jovens solitários reportam não ver sentido na vida – é preciso reconhecer e resgatar práticas de convívio e estímulo ao entendimento do mundo que há lá fora. No campo publicitário, fica clara a necessidade de investimentos que estão além das experiências de confinamento em que as tecnologias são protagonistas. É preciso reconectar-se ao real e ampliar o papel das marcas nas construções coletivas. Vale também lembrar que a força da comunicação está na criatividade que é fruto do contato com as brincadeiras e com a experiência da vida, reflexão e crescimento compartilhado com outras pessoas. Algo que pode trazer, sim, um osso quebrado.
Na saída do hospital, já com o seu refrigerante nas mãos, a idosa da minha família levou uma bronca. Aos 75 anos, ela quebrou o braço tentando pegar uma goiaba direto de uma árvore na rua.
Quem a conhece me disse que fazia tempo que não a viam tão feliz.
Ivan Scarpelli é sócio e cofundador da Dubu