O Fundo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) estima que quase 50 milhões de brasileiros vivam em situação de insegurança alimentar grave ou moderada. Para encontrar formas de mudar esta triste realidade e debater a contribuição do Poder Público para modernizar a legislação referente à doação de alimentos, a Assembleia Legislativa do Paraná promoveu no dia 16, quarta-feira, a audiência pública “Como a Legislação Estadual Pode Contribuir Para a Diminuição do Desperdício de Alimentos no Combate à Fome”. O objetivo é propor iniciativas que trazem bons resultados no combate ao problema, criando mecanismos para que produtores de alimentos possam doar o excedente com segurança, evitando que comida saudável vá para o lixo.
Dia Mundial da Alimentação
O debate ocorreu no Dia Mundial da Alimentação por iniciativa da Comissão de Defesa do Consumidor, presidida pelo deputado Paulo Gomes (PP), em conjunto com o Conselho Regional de Nutrição (CRN-8). O evento reuniu representantes do Poder Público e privado da área de alimentação, além de responsáveis por entidades que combatem o problema.
De acordo com o deputado Paulo Gomes, o debate visa aproximar entidades governamentais e as não-governamentais para formação de parcerias que possam ampliar e fortalecer os projetos que já combatem o desperdício. O parlamentar afirmou que vai trabalhar para atualizar a legislação. “A Assembleia Legislativa tem um papel fundamental na discussão. Nesta primeira audiência, debatemos com os setores que realizam projetos sociais ou que atuam na área de restaurantes e bares. Temos de saber o que a Assembleia precisa fazer para criar uma legislação que incentive a doação da comida que muitas vezes vai para o lixo e que poderia ir para a mesa do trabalhador ou da pessoa necessitada. Se a legislação é desatualizada ou freia a doação, nós temos que criar mecanismos que contribuam para que esses produtos que hoje são descartados acabem na mesa daqueles que tanto precisam”, ressaltou.
Cilene da Silva Gomes Ribeiro, do Conselho regional de Nutrição, afirmou que o debate tem de ficar inserido justamente na questão do controle higiênico-sanitário e da própria segurança do alimento para o consumo. “Existem vários entes da sociedade, como restaurantes comerciais, indústrias, o próprio varejo supermercadista, que podem fazer doação de alimentos bons para consumo, não o fazem. Para isso, porém, é necessário que uma série de critérios seja observada, principalmente de controle de qualidade”, disse.
Para ela, o grande objetivo é debater o que facilita e o que dificulta a doação, permitindo que o que ia para o lixo vá para pessoas em situação de vulnerabilidade. “O grande gargalo está na questão do medo de se doar, porque nós temos, obviamente, questões de prazo de validade dos alimentos, que não podem ser extrapolados. Também há outro gargalo, que é quem recebe e quem doa, no sentido de quem vai levar esse alimento. Então, por mais que existam já instâncias e entes que fazem esse tipo de ação, não existe ainda um fluxo muito contínuo para isso. A própria legislação, por mais que permita a doação, também pune em alguns momentos”, ponderou.
Exemplos
O presidente das Centrais de Abastecimento do Paraná (Ceasa-PR), Éder Eduardo Bublitz, apresentou os resultados do programa Banco de Alimentos-Comida Boa, que distribui mais de 440 toneladas de alimentos por mês. O programa surgiu em abril de 2020, logo após a chegada da pandemia da Covid-19. “As Ceasas, tradicionalmente, são grandes geradores de resíduos orgânicos. Então, entendendo que temos responsabilidade ambiental e social, não podemos aceitar que alimentos em condições próprias para consumo, com alta qualidade nutricional, estavam indo para o lixo. Por isso, criamos esse programa que hoje é um sucesso em seus propósitos, que é promover a redução do desperdício, a reinserção social e a destinação de alimentos de qualidade”, explicou.
Grande iniciativa
De acordo com o Governo do Estado, antes da iniciativa, cerca de 50 toneladas de alimentos eram desperdiçadas por dia na Ceasa por não serem comercializadas. Hoje, a primeira destinação dos alimentos é para as entidades de assistência social. Quase metade deste volume passou a ser reaproveitado. O volume anual chega a 5,3 mil toneladas de alimentos. Atualmente, mais de 330 entidades recebem os alimentos.
Rafaela Maria dos Santos e Alana do Nascimento Oliveira, representantes do Mesa Brasil Sesc, maior rede de bancos de alimentos da América Latina e referência no combate à fome e ao desperdício de alimentos, falaram sobre a experiência da iniciativa. Alana Oliveira demonstrou que o Mesa Brasil se apoia em uma série de legislações que já existem e que ajudam a evitar o desperdício, entre eles estão o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e as cozinhas solidárias. O PAA realiza a compra direta de alimentos de agricultores familiares, sem necessidade de licitação e os destina a pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional. O objetivo é fortalecer a agricultura familiar, gerando emprego, renda e desenvolvendo a economia local, além de promover o acesso aos alimentos, contribuindo para reduzir a insegurança alimentar e nutricional. “Temos um amparo legal forte, que nos permite trabalhar contra a fome há muitos anos”, explicou.
A arquiteta Renata Gonçalves, diretora-executiva da Good Truck, abordou a iniciativa da entidade que tem como missão levar comida para onde falta. Desde 2016, a Good Truck faz o resgate de alimentos que perderam valor de mercado e realiza a destinação de refeições e kits alimentares a comunidades vulneráveis em seis cidades brasileiras. Ela destacou a importância de iniciativas que permitam a doação de alimentos. “Precisamos evoluir nas políticas públicas simplifiquem os mecanismos de doação. Não estamos falando só de doar, mas de transformar vidas”.