quinta-feira, 19 de setembro de 2024
O ‘jeitinho brasileiro’ que mata

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O ‘jeitinho brasileiro’ que mata

Desde a implementação da Lei Seca, em 2008, o Brasil se destacou por possuir uma das legislações mais rigorosas para coibir a combinação de álcool e direção. No entanto, a prática de dirigir após o consumo de bebidas alcoólicas ainda persiste, resultando em um número alarmante de vítimas. Somente nas rodovias federais, no ano passado, foram 188 mortos e 3.128 feridos.

Prova disso é o número de autuações por dirigir sob o efeito de álcool e por recusa ao teste do bafômetro. Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), em 2023, 60.854 pessoas foram multadas por infringir os artigos 165 e 165A do Código de Trânsito.

A cultura brasileira é frequentemente caracterizada pelo ‘jeitinho brasileiro’, uma forma de encontrar justificativas para condutas ilegais, imorais ou perigosas. Esse contexto permissivo contribui significativamente para a continuidade da prática de dirigir sob a influência de álcool. A legislação, por mais rigorosa que seja, enfrenta dificuldades em coibir completamente essa prática devido à aceitação social e à falta de conscientização sobre os riscos envolvidos.

Um estudo conduzido pelo Ministério da Saúde em 2011 revelou que uma em cada cinco vítimas de acidentes de trânsito atendidas em prontos-socorros havia ingerido bebida alcoólica. Esse dado é particularmente alarmante em um contexto em que há uma forte apologia ao consumo de bebidas alcoólicas, especialmente entre os jovens e homens, que são estatisticamente mais propensos a se envolverem em sinistros de trânsito.

O consumo de bebidas alcoólicas está profundamente enraizado na cultura brasileira, associado a sensações de prazer, bem-estar, alívio, perda de timidez e inserção social. Esses benefícios, no entanto, vêm acompanhados de efeitos nocivos, como diminuição da atenção e velocidade de resposta, dificuldade de raciocínio e tendência a comportamentos mais agressivos e impulsivos, uma combinação explosiva que causa mortes no trânsito.

A administração dessas crenças e efeitos é um desafio constante para os indivíduos e a sociedade. As leis brasileiras, embora rigorosas, ainda são vistas como flexíveis quando se trata de punir quem mata ou fere em sinistros de trânsito. A sensação de impunidade é reforçada pela falta de responsabilização adequada em casos de acidentes graves, que muitas vezes terminam sem a devida punição para os culpados. Essa percepção da falta de consequências contribui para a continuidade da prática de dirigir sob a influência de álcool.

Para enfrentar o problema, é indispensável que as leis já existentes sejam aplicadas de forma mais rigorosa e que haja uma maior responsabilização dos causadores de acidentes. A ampliação da fiscalização e a implementação de campanhas preventivas são passos essenciais para reduzir os acidentes relacionados ao consumo de álcool.

A educação desempenha um papel fundamental na resolução do problema, mas o sucesso da aprendizagem está diretamente relacionado ao tempo de interação e exposição ao tema. Quanto mais cedo e mais tempo durar a educação sobre os perigos de dirigir sob a influência de álcool, melhores serão os resultados.

Uma educação extensa para um trânsito mais seguro deve ser complementada por campanhas preventivas eficazes. Essas campanhas devem focar na conscientização sobre os riscos do consumo de álcool e direção, além de promover comportamentos seguros no trânsito. A colaboração entre governo, sociedade civil e setor privado é essencial para o sucesso dessas iniciativas.

A relação entre álcool e direção é um problema complexo, influenciado por fatores culturais, psicológicos e legais. No entanto, com uma abordagem integrada que inclua educação, fiscalização rigorosa e campanhas preventivas, é possível reduzir significativamente a incidência de sinistros e mortes. A sociedade brasileira deve se unir para promover um trânsito mais seguro e responsável, garantindo a segurança e o bem-estar de todos.

Carlos Luiz Souza é psicólogo especializado em Psicologia do Trânsito e vice-presidente da Associação de Clínicas de Trânsito do Estado de Minas Gerais (ACTRANS-MG)

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