De um contato no LinkedIn a um prejuízo de mais de R$ 100 mil, além de sequelas físicas e psicológicas que ainda estão sendo tratadas. Esse é o resumo da história de Mariana (*), uma secretária executiva vítima do “estelionato sentimental”, um crime cada vez mais comum e que já possui jurisprudência no sentido de concessão, tanto para danos morais quanto materiais.
O ano era 2019. Mariana morava em São Paulo e tinha um ótimo emprego na capital paulista quando recebeu uma mensagem no LinkedIn de um suposto empresário com uma oferta de emprego. Ele propôs que eles almoçassem para conversar. O primeiro encontro foi em um restaurante fino.
“Ele era muito bem-apessoado e tinha uma oratória incrível. Contou que era corretor de seguros e tinha cinco escritórios em São Paulo. Me convidou para ir trabalhar com ele e disse que ia cobrir meu salário”, conta a secretária, que então era casada e com um filho que, na época, tinha 5 anos.
Sem saber o real motivo, Mariana tinha aberto a sua renda atual e outros detalhes de sua vida. Ela decidiu não aceitar a proposta de emprego, mas trocou o número do telefone com o rapaz. A partir desse momento, ele começou a se aproximar. Dizia que estava perto do trabalho dela, convidava para almoços, café, jantares. Sempre a levava em bons lugares e a presenteava regularmente. Inclusive com joias.
Até que vieram as promessas. Em menos de um mês ele se revelou completamente apaixonado. Disse que ela era a mulher da vida dele, pediu para Mariana se separar e disse que “ia cuidar muito bem dela e do filho” e que eles teriam uma vida muito feliz juntos.
“Agora, contando, eu fico até com vergonha. Mas na hora eu não percebia. Parecia um conto de fadas real. A gente acha que só pessoas bobinhas caem, mas não. Eu tenho informação e mesmo assim me deixei levar”, desabafa Mariana.
Mudança de cidade e mais promessas
Depois de aceitar a proposta do “príncipe encantado”, ela acabou recebendo um convite para trabalhar em uma grande empresa de Curitiba (PR), onde iria ganhar mais. Os dois se mudaram para a capital paranaense. Ele dizia que os escritórios dele estavam em reforma, mas que tinha uma renda fixa de um apartamento próprio que estava alugado.
Já em Curitiba, eles continuaram a viver apenas da renda dela, pois o rapaz sempre tinha uma desculpa para não contribuir com os gastos. Ora não tinha recebido. Ora a reforma dos escritórios estava dando prejuízo.
Além de não contribuir com as despesas, pediu para que a companheira fizesse alguns empréstimos em bancos, alegando que o dinheiro serviria de investimento para um novo trabalho e que ele ia multiplicar a quantia.
Incomodada com a situação financeira que só piorava, Mariana começou a questioná-lo. Ele, no entanto, sempre tinha uma história convincente na manga e transformava a situação até que ela acabava se desculpando pela cobrança.
Traições e violência
Isso valia também para os contatos amorosos e traições. Certo dia, quando Mariana o escutou falando “eu te amo” para uma mulher ao telefone, ela cobrou explicações. “Ele pedia para eu me sentar, olhava bem nos meus olhos, me abraçava e dizia que eu precisava de um psiquiatra, que estava ouvindo coisas. Eu sempre acreditava que o problema era eu”, lamenta.
Mas pouco tempo depois ele começou a mudar. De compreensivo e companheiro, dizendo que logo as coisas iam melhorar e ele ganharia muito dinheiro, passou a violento. Ameaçava ela e a família dela. Disse que ia matar todos que ela amava. Chegou a agredi-la fisicamente duas vezes. Na última, ela procurou uma advogada e pediu orientações.
Provas e sequelas
Foi aí que ela passou a gravar as conversas, tirar print das mensagens e reunir provas de que estava sendo vítima de um golpe. Saiu de casa, fez um Boletim de Ocorrência para que ele deixasse a casa e pediu o divórcio. Eles haviam casado com separação total de bens porque ele não tinha conseguido juntar as certidões necessárias para comprovar os imóveis e carros que dizia ter.
Mariana contou com o apoio da família para conseguir sair de casa. Teve que contar para o chefe o que estava passando e recebeu apoio da empresa. A Justiça, com a Lei Maria da Penha e com a denúncia de estelionato, foi fundamental para que ela conseguisse recuperar a casa em que moravam.
Eles ficaram de 2019 a 2022 juntos. As dívidas feitas nos bancos, de R$ 110 mil, e as despesas pagas somente por ela durante o tempo em que estavam casados, ainda estão sendo negociadas.
Hoje, ela está separada e mais forte. Disse que é difícil acreditar que passou por isso. “As sequelas são muitas. A gente fica com vergonha, demora a acreditar que caiu em um golpe e fica mais arredia para se relacionar de novo. Com medo mesmo”, revela.
“Meu conselho para as mulheres é que evitem acreditar em amores repentinos, em promessas amorosas em pouco tempo de relacionamento. Mesmo tendo sentimentos arrebatadores, é preciso levar em conta a coerência entre o que a pessoa fala e o que a pessoa faz”, diz.
Estelionato sentimental
A advogada Margareth Zanardini, especializada em Direito de Família, conta que, em tempos de amores líquidos e busca incessante por um parceiro(a) de valor, cada vez mais pessoas confundem sentimentos e acabam caindo em armadilhas financeiras.
“São os chamados ‘estelionatos românticos’ ou ‘estelionatos sentimentais’, quando o golpista se transforma no verdadeiro ‘amor da vida’ com o objetivo de se apropriar do dinheiro das vítimas e obter vantagens financeiras”, conta a advogada.
A prática está aumentando, tanto que já possui jurisprudência no sentido de concessão, tanto de danos morais quanto materiais. Segundo a 2ª. Turma Cível do TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios), no Acórdão de número 1364563: “O estelionato sentimental ocorre no caso em que uma das partes da relação abusa da confiança e da afeição do parceiro amoroso com o propósito de obter vantagens patrimoniais”.
A modalidade criminosa também pode ser enquadrada no artigo 171 do Código Penal, tratando-se de uma nova espécie de estelionato, em que o agente “se utiliza de meio ardil para obter vantagem econômica ilícita da companheira, aproveitando-se da relação afetuosa, configurando o delito de estelionato”, conforme Acórdão 1141866 da 1ª. Turma Criminal.
“E as vítimas sofrem muito mais do que o prejuízo financeiro. Elas têm vergonha de denunciar, enfrentam o preconceito da família e dos amigos e temem amar de novo. Ou seja, têm toda a vida afetada por conta de um golpe que precisa ser cada vez mais conhecido para ser evitado”, reforça Margareth.
Ela ressalta que, ao iniciar um relacionamento, é preciso ficar atento para o que a pessoa fala e sempre tentar comprovar quando o assunto é dinheiro e caráter. “Lembre-se que um estelionatário está acostumado a agir de forma desonesta; então, joga o nome da pessoa no Google, checa as redes sociais, os documentos. Cautela nunca é demais”, conclui.
(*) Nome fictício. A personagem preferiu não revelar seu nome verdadeiro.