A bancada evangélica no Congresso Nacional está enfurecida com o presidente Lula. A Receita Federal decidiu anular decisão do governo Bolsonaro, de julho de 2022, que concede imunidade tributária sobre rendimentos de ministros religiosos. A Receita, vinculada ao Ministério da Fazenda, alega que o ato de 2022, às vésperas da campanha presidencial, não foi aprovado pela subsecretaria de tributação, o que justificaria sua anulação. A anulação do Ato Declaratório de 2022 gerou muito descontentamento e notas de repúdio da bancada evangélica. 146 parlamentares se manifestaram criticando o presidente Lula.
“Perseguição política”
Alguns parlamentares têm sido bastante enfáticos ao alegarem “perseguição” e “retaliação” à bancada evangélica. Afinal, este segmento da sociedade é um dos que mais ofereceram forte apoio à campanha de reeleição do presidente Bolsonaro. O segundo vice-presidente da Câmara dos Deputados, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), tem falado à imprensa que se trata de um ato de perseguição do governo Lula a evangélicos e que pastores sempre pagaram tributos, devidamente. O deputado frisa que pastores não recebem salários mas, sim, prebendas missionárias. Portanto, não deveriam receber tributações que incidam sobre salários, pois, não seriam empregados via CLT.
Profissão: pastor
Independentemente do nome que se dê aos rendimentos pagos aos pastores e demais líderes religiosos, o fato é que estes missionários recebem rendimentos pagos pela instituição religiosa em função do exercício de um trabalho remunerado. Nada mais justo que contribuam com o fisco como outro trabalhador qualquer. Pastores e demais lideranças religiosas que se dedicam a atividades missionárias são profissionais, estão exercendo um trabalho remunerado como outro qualquer. Por que, não, contribuírem igualmente com os cofres públicos? Aliás, não seria nada cristão alegar o merecimento de privilégios tributários deixando de contribuir com sua parte para a receita, uma vez que este montante, ao menos, em tese, é destinado para toda a coletividade na forma de serviços e equipamentos públicos de usufruto de toda a população.
Isenção tributária
A Constituição Federal garante a isenção tributária a igrejas e templos de todas as religiões, bem como empresas vinculadas a estes. Uma imunidade criada para garantir que o Estado não dificulte a liberdade de culto religioso. Algo que já é bastante controverso, sendo um artigo muito criticado por aqueles que advogam contra uma alegada “farra” na abertura indiscriminada de igrejas e templos religiosos. Porém, ainda que polêmico, o artigo 150 da Constituição Federal tem sua razão e justificativa dentro de uma argumentação bastante razoável e justa. Entretanto, o mencionado artigo nada aborda sobre imunidade tributária a remuneração de pastores, padres e outros líderes religiosos.
Politização
O que está evidente é uma tentativa de uso político da decisão da Receita Federal, ao invés de aterem-se a uma discussão meramente técnica. O ministro Haddad convocou os deputados Sóstenes Cavalcante e Silas Câmara (Republicanos-AM) para uma reunião, visando acalmar os ânimos da bancada evangélica, aparar as arestas, enfim. Mas lideranças da bancada na Câmara orientaram os dois deputados a não comparecerem a reunião.
Uso eleitoreiro
Em ano de eleições municipais, é muito discutível a alegação de que esta decisão seria vingança e perseguição de Lula a bancada evangélica. Deputados deverão trabalhar mais proximamente a suas bases, ajudando a eleger prefeitos e vereadores aliados. Para o PT, não seria conveniente arrumar encrenca com parlamentares detentores de forte influência sobre uma grande parcela do eleitorado como é a dos evangélicos. Justamente, agora, que o PT colocou em pauta, em seu último encontro nacional, que deverá buscar uma aproximação com o público evangélico, com o objetivo de reconquistar essa expressiva parcela do eleitorado. E há ainda a demanda por votos dessa bancada no Congresso, que costuma fazer parte do chamado Centrão. Certamente, parlamentares evangélicos deverão usar essa decisão da Receita Federal como mais um argumento contra o PT. “Eis a prova do “comunismo” do PT, ao cobrar tributos dos pastores e, assim, perseguir cristãos e tentar acabar com a liberdade de culto no país”, é o que se pode prever. É bastante previsível o reforço deste discurso que já vem desde as últimas eleições presidenciais, aliás.
Sanha arrecadatória
Todavia, a única certeza indiscutível é que o governo federal precisa ampliar a arrecadação. A meta de déficit fiscal zero do Haddad tem sido considerada utópica, quase uma piada, diante do grave déficit fiscal. Mas, não custa nada tentar, de todas as formas possíveis, alcançar a meta. É com esse espírito que Haddad deve estar imbuído. Muitas categorias, provavelmente, também, passarão a se sentir “perseguidas” pelo governo ao deparar com mais impostos, taxas e contribuições a pagar, daqui para frente. As contas públicas encontram-se em situação muito preocupante devido ao assombroso déficit.
Meta de déficit zero
O mais provável é que não seja nada pessoal da parte de Lula e do PT contra os evangélicos, mas, uma questão de urgente necessidade de arrecadação. A mão do fisco promete pesar ainda sobre muitos outros. E, como dizia o saudoso Delfim Neto, ”a parte mais sensível do corpo humano é o bolso”. Assim, a sensação é de “perseguição” e “retaliação política”. Toda e qualquer categoria que sofre alguma medida desfavorável do governo usa esse tipo de alegação. Mas, pena que não há a mesma “sanha persecutória” contra os perdulários confortavelmente instalados nos altos escalões do governo. Haddad ainda não demonstrou nenhum interesse em adotar medidas para um contundente corte de gastos a fim de atender sua meta de déficit zero para 2024.