Durante o julgamento dos réus do episódio de oito de janeiro, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm enfatizado a defesa da democracia ao justificar as condenações dos manifestantes bolsonaristas. Neste, e em tantos outros julgamentos, nossa Suprema Corte costuma repetir em reiterados discursos a importância do papel da mais alta corte do Poder Judiciário em colocar-se como guardiã da Constituição Federal e do Estado Democrático de Direito. O ministro Alexandre de Moraes tem sido um dos maiores entusiastas dessa defesa. Ao menos, no discurso.
Parcialidade
Contudo, é preciso refletir sobre se a defesa da democracia por parte do STF ocorre de maneira imparcial e equânime, independentemente de que espectro político partam os réus. Pois, de um lado, temos condenações bastante justificáveis quando se trata de inquestionáveis golpistas tentando derrubar um presidente da República eleito democraticamente pelo voto popular. Mas, de outro, temos ministros do STF dedicando-se, às vezes, em uma canetada, a invalidar decisões judiciais da Operação Lava-Jato, a exemplo do ministro Dias Toffoli em sua cruzada para “descondenar” réus do Petrolão, e buscando desmoralizar a maior operação anticorrupção já existente no país.
Desmoralização do STF
A partir dessa postura absolutamente parcial, quem fica desmoralizado é o STF. Afinal, de um lado, combate com rigor tentativas evidentemente golpistas. Porém, de outro, absolve outras formas de governar que também se revelaram anti-democráticas.
Pouco zelo pela democracia
A terrível constatação, enfim, é a de que, nos últimos vinte anos, o país não conseguiu contar com governantes no Poder Executivo realmente entusiastas da democracia. Para piorar, historicamente temos contado com um Congresso Nacional, em grande parte, mais interessado em lucrar no “balcão de negócios” do que em defender sua prerrogativa de garantir a equiparação entre os três poderes. Nosso sistema de democracia tripartite foi idealizado para que haja equilíbrio de forças entre os três poderes, num delicado sistema de freios e contrapesos entre um poder e outro. Entretanto, na prática, não é o que costuma acontecer.
Sistema de freios e contrapesos
Nos últimos anos, esse sistema de freios e contrapesos tem se desequilibrado fortemente a partir da predominância de poder e influência do Poder Judiciário. Mais, precisamente, do STF. Tanto que o termo “ditadura da toga” é a pecha concedida ao STF por aqueles que percebem esse desequilíbrio completamente insalubre a democracia. Gradualmente, o ativismo judicial da Suprema Corte tem ganhado proporções absurdas, a partir de deliberações sobre uma enorme gama de pautas. Muitas destas pautas, vale frisar, seriam prerrogativas do Congresso Nacional. Só para citar alguns exemplos, entre os grandes temas nacionais que seriam atribuições dos parlamentares e que estão (ou serão) sendo deliberadas pelos “togados”, estão: descriminalização da maconha, Marco Temporal, aborto, imposto sindical, homofobia, e outras. Todos esses grandes temas nacionais deveriam estar sendo discutidos e votados no Congresso Nacional, onde estão os representantes do povo eleitos democraticamente. Todavia, quem está decidindo sobre temas tão polêmicos e cruciais são os ministros do STF, que não são eleitos pelo povo. São indicados politicamente por presidentes da República. Há as sabatinas no Senado, evidentemente, avalizando as referidas indicações mas, que, na prática, percebe-se que se tratam do cumprimento de mero rito burocrático, não sendo capazes de alterar as regras do jogo.
Omissão do Congresso Nacional
Não se pode responsabilizar unicamente a atual composição do STF por esse quadro disfuncional. É conveniente ao Congresso Nacional a omissão no debate de grandes temas nacionais polêmicos. Essas discussões e votações trazem desgaste perante o eleitorado. Há muitos parlamentares que não querem receber críticas do eleitorado, por exemplo, se tiverem de dar um voto impopular. Parlamentares dependem do voto do eleitor, sofrem pressão popular. É mais fácil e conveniente deixar ao STF resolver certos ”pepinos”. Ainda conta muito o modus operandi habitual das duas casas legislativas: votar conforme a orientação da bancada ou, pior, conforme acordos envolvendo liberações de emendas, cargos, ”mensalões”, e outras benesses. Ou seja, são poucos os interessados em zelar pela democracia e equilíbrio entre os poderes acima de tudo no parlamento, também. Somemos a isso tudo, a baixa capacitação técnica de tantos congressistas. Há parlamentares muito bem qualificados tecnicamente, que estudam legislação, buscam aprofundar-se e entender sobre os projetos que votam. Mas, possivelmente, não sejam a maioria. Esta, muitas vezes, mal entende sobre projetos que estão apreciando e suas extensas implicações para a sociedade. Então, mais um motivo para deixar aos “letrados” juristas as deliberações mais polêmicas e complexas.
Sistema tripartite
Tais constatações revelam uma realidade lamentável, onde não há grande interesse em preservar a democracia em seu conceito de sistema tripartite. Ainda, considerando o conceito de que democracia é o poder que emana do povo, não se pode aceitar como normal contarmos com ministros do STF pautando e decidindo sobre temas que caberiam a representantes eleitos pelo voto popular a discussão e decisão por meio da prerrogativa de legislar concedida a deputados, em especial.
“Lacração” dos parlamentares
Mas, do que jeito que está, a conclusão é a de que parlamentares só têm servido para “lacrar” nas redes sociais, arregimentando apoiadores, e brigar por emendas e cargos. E nem sempre motivados por intenções republicanas. Enquanto isso, o contribuinte vai bancando todo esse “samba-do-crioulo-doido” que se afasta, cada vez mais, dos conceitos originais de democracia. Todos acomodados em seus papéis, até, porque, não interessa aos parlamentares mudar as regras quando, também, são julgados pelo STF.