O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública para cassar a concessão de radiodifusão da Jovem Pan. A justificativa é em razão da disseminação de desinformação e de conteúdos que atentam contra a democracia durante o governo Bolsonaro. A TV por assinatura e o canal do YouTube da empresa ficaram fora da ação. O MPF também pede indenização por danos morais coletivos no valor de R$13,4 milhões e a obrigatoriedade de inserções com mensagens afirmando a confiabilidade do processo eleitoral brasileiro.
Viés bolsonarista
A ação do MPF tem gerado muitos debates entre a opinião pública, suscitando opiniões e pontos de vista divergentes. A emissora de 80 anos de fundação ganhou um forte viés bolsonarista durante os anos do mandato do ex-presidente. Após a eleição do presidente Lula, em 2022, demitiu uma série de jornalistas francamente bolsonaristas e passou a diversificar seus quadros, admitindo profissionais de posicionamentos mais plurais, mas, ainda deixando espaço para o pensamento mais inclinado a direita do espectro ideológico. Algum crime nisso? Obviamente, nenhum, em se tratando de democracias.
Negacionismo e golpe
O que pesou duramente contra a Jovem Pan foi a contribuição da emissora para o endosso um tanto irresponsável de teses “negacionistas” durante a pandemia, bem como o apoio e incentivo a narrativa golpista do bolsonarismo. Dúvidas sobre a eficácia e segurança das vacinas contra a Covid-19 também foram muito bem plantadas por comentaristas da emissora. A adesão irrestrita às controversas ideias do bolsonarismo fez com que a emissora ganhasse a pecha de “Jovem Panos” por endossar as bandeiras do governo Bolsonaro, “passando pano” a tudo no último governo, sem apresentar algum tom crítico mais próximo a imparcialidade. Em resumo, só dava crédito a Jovem Pan quem apoiava o governo Bolsonaro. O restante do público simplesmente não suportava acompanhar a programação da emissora.
Jornalismo “chapa-branca”
Mas, independentemente de tais teses e defesas terem sido equivocadas ou não, de ter feito um jornalismo notoriamente “chapa branca”, é preciso frisar que a emissora abriu um espaço de contraponto importante a ideias e opiniões antagônicas ao que a maioria da grande imprensa vinha propondo. Este espaço ao contraditório é o que enriquece o debate e este deve ser um dos papéis da imprensa, também, o de promover a reflexão e abertura a antíteses em torno de uma tese dominante. Questionamentos e dúvidas devem ser lançados pela imprensa quando bem fundamentados. Afinal, a imprensa não cabe o papel de disseminar “verdades absolutas“ e acabadas quando ainda não há elementos suficientes para conclusões definitivas, a exemplo de consensos científicos sobre a pandemia.
Constituição Federal
Obviamente, quando há excessos e irresponsabilidade, sanções e reparos estão previstos na Constituição Federal, a exemplo da obrigatoriedade do direito de resposta. Indenizações por danos morais também estão previstas em lei. Mas, daí a querer cassar a concessão de uma emissora revela-se um excesso muito maior e desproporcional, uma iniciativa sem precedentes desde a redemocratização do país. Como bem disse a jornalista Dora Kramer, ”é de uma gravidade ímpar a iniciativa do MPF, só vista em regimes autoritários”. Dora afirmou não se tratar apenas de corporativismo de jornalistas defender a emissora, mas, porque cabe ao Ministério Público fazer a defesa dos interesses da sociedade. Um desses direitos é o de contar com acesso a informação plural e de ter garantidas a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Ao se posicionar pelo fechamento de uma emissora de radiodifusão, o Ministério Público agride esse princípio indo contra os interesses da sociedade.
Calar vozes divergentes
Creio que estamos num momento muito grave e perigoso no país quando determinadas instituições de poder público visam calar vozes divergentes, tendo por objetivo unificar o pensamento da coletividade anulando a pluralidade de ideias. Tais medidas não se coadunam a democracias, ferem os fundamentos do Estado Democrático de Direito e atentam contra princípios basilares que garantem a liberdade de imprensa. Não há nação livre e democrática sem liberdade de imprensa. A ação do MPF fere, inclusive, o artigo 5 da Constituição Federal que afirma que “é livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Razoabilidade
A expectativa é a de que o MPF reconsidere a ação judicial, pois, extrapola o bom senso, a razoabilidade, em nações democráticas. Imprensa absolutamente imparcial é utopia. Cada veículo tem adotado linhas editoriais específicas ao longo dos tempos. A Jovem Pan não tem sido o único veículo de imprensa a adotar uma linha editorial governista em toda a História do país. O apoio a governos petistas passados, por exemplo, foi marcante em emissoras como, a Rede Globo e o jornalismo do Grupo Folha e UOL. Lembremos que há outras emissoras que historicamente têm apoiado governos de forma tão notória quanto a Jovem Pan o fez em relação ao governo Bolsonaro. E se for para punir apoio a golpes a democracia, a Rede Globo deveria ser a primeira a receber punição, por ter apoiado o golpe militar em 1964. Não podemos incorrer em revanchismos ideológicos apenas porque não concordamos com o que é dito. Pois, abre-se um sério precedente a novos excessos a quem quer que desagrade o que for estabelecido como “consenso” pelas instituições de poder público no país. É assim que a censura vai se instalando na atualidade, usando subterfúgios aparentemente plausíveis para, pouco a pouco, avançar em seu cerceamento.