sexta-feira, 20 de setembro de 2024
Tragédia do Titan causa perplexidade por revelar-se aventura das mais excêntricas

Vanessa Martins de Souza

Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

Tragédia do Titan causa perplexidade por revelar-se aventura das mais excêntricas

Durante quatro dias, meio mundo acompanhou com apreensão, ou aparente desdém, a saga em busca do submersível Titan, desaparecido em expedição com cinco tripulantes dispostos a ver de perto os destroços do navio naufragado em 1912, Titanic, localizados no Atlântico Norte. Infelizmente, o desfecho foi trágico quando, no dia 22 de junho, quinta-feira, a Guarda Costeira dos EUA confirmou a morte dos cinco tripulantes devido a implosão da embarcação, que estava próxima a 4 km de profundidade. Foi necessário o envio de equipamento canadense com braços robóticos para conseguir localizar os destroços do submersível da empresa Ocean Gate.

Falta de empatia

Em meio a imensa repercussão na imprensa, grande parte do público dividiu-se entre aqueles que demonstraram empatia, pesar e torcida para que se encontrasse sobreviventes e aqueles que aderiram ao sarcasmo, desdém, memes e deboches ressentidos por se tratarem de “ricos e suas excentricidades”, enquanto há tragédias mais terríveis sem atenção, a exemplo do recente naufrágio de bote que levava centenas de refugiados. De fato, a imprensa pouco costuma dar atenção a repetidos naufrágios de barcos que transportam refugiados. Um mea-culpa da imprensa seria de bom tom… Afinal, comoções públicas devem-se, em muito, ao destaque que a cobertura de imprensa costuma conceder.

Tragédia anunciada

Mas, nesta tragédia do Titan, nem mesmo a intensa cobertura da imprensa foi o suficiente para gerar empatia em massa. Acredito que não somente pelo fato de se tratar de bilionários em busca de novas experiências exclusivas e excêntricas, mas, pelas circunstâncias muito arriscadas em que se deu essa viagem. A perplexidade tomou conta da mente de muitos que acompanharam o noticiário sobre essa tragédia absolutamente evitável se houvesse prudência e bom senso. Não faltaram elementos para causar perplexidade ao público. A começar pelo tamanho da embarcação que, sequer, pode ser classificada como “submarino”, mas, sim, um “submersível”, por se tratar de uma “cápsula” bastante pequena onde os tripulantes permaneceram num ambiente claustrofóbico, sem janelas, e sentados o tempo todo. Não faltaram especialistas apontando na imprensa a fragilidade do Titan, também, especulando-se que teria sido construído com material frágil demais para suportar o peso de toneladas de água a uma profundidade de cerca de 4 km. Esse teria sido o motivo da implosão.

Adrenalina e exclusividade

O que levaria bilionários como o britânico dono de empresa de aviação, além do vice-presidente de um conglomerado paquistanês e seu filho de 19 anos, a encarar um passeio arriscado como esse? “Burrice”, ”loucura”, ”tédio dos multimilionários”, ”soberba”, ”vaidade dos endinheirados“ têm sido algumas das respostas encontradas por tantas pessoas anônimas entre o público a comentar nas redes sociais… A irresponsabilidade e ganância da empresa Ocean Gate também tem sido bastante comentada. O Titan já havia feito outras viagens ao local, com algumas pequenas avarias na embarcação, mas, sem nenhuma tragédia. Possivelmente, as avarias no submersível não tenham recebido manutenção satisfatória. A embarcação também não contava com certificação de qualidade, além de ter suscitado alertas de especialistas de que não era segura para mergulhos tão profundos. A Ocean Gate as ignorou, sabe-se lá o motivo… Uma vez que o próprio co-fundador da empresa participou desta viagem catastrófica, estando entre as vítimas. Logo, não seria o caso de supormos que pouco se importou com a segurança porque apenas queria vender aos bilionários. A certeza é que houve incompetência, irresponsabilidade e negligência, mas, não a má-fé da empresa. A presença, entre a tripulação, de um experiente mergulhador aposentado da Marinha Francesa, especialista no Titanic, também intriga. Nem mesmo este experiente francês de mais de 70 anos de idade não cogitou a possibilidade de não haver segurança neste submersível comandado por um controle de superfície semelhante a um simples “joystick” de videogame?

Perplexidade

Enfim, toda tragédia revela-se triste, independentemente de classes sociais, de discussões ideológicas e antropológicas sobre as diferenças entre ricos, pobres e classe média. Mas, quando a perplexidade sobrepõe-se a tristeza, a exemplo do desastre com o Titan, concluímos, mais uma vez, que as experiências ruins devem servir de aprendizado, de alerta. Pois, há tragédias anunciadas, a exemplo dessa, que ensinam que excesso de autoconfiança e de experiência podem ampliar os riscos. Creio que todos estavam muito confiantes de que tudo daria certo, uma vez que não era a primeira viagem com o submersível ao mesmo local. O único que estava apavorado, segundo o comentado em reportagem televisiva, era o filho do empresário paquistanês. O adolescente não queria ir, mas decidiu dar este presente de Dia dos Pais ao pai que insistia para que o acompanhasse na aventura. E todos sabiam dos riscos, vale lembrar: assinaram um contrato assumindo a ciência dos riscos de eventual acidente e morte. Pagar mais de um milhão de reais e acabar morrendo dessa forma soa excêntrico ao público. Porém, não se sabe dos bastidores. Talvez, todos tenham caído numa boa conversa marqueteira da Ocean Gate, que convenceu a tripulação de que havia grande probabilidade de tudo dar certo. Há apaixonados por aventuras arriscadas em todas as classes sociais. Há aficcionados pela história do Titanic, entre variados tipos de pessoas. Há apaixonados pelo oceano e navegação entre todas as idades, nacionalidades, classes sociais. O gosto pela adrenalina, por aventuras “loucas”, por experiências “únicas e exclusivas” não é privilégio dos endinheirados. A diferença é o nível de exclusividade e “ousadia“ que o dinheiro pode comprar.

Irresponsabilidade

Lamenta-se e questiona-se a falta de prudência, de responsabilidade, de cautela, e de bom senso, tão somente. O diretor do filme Titanic, James Cameron, visitou 33 vezes o local dos destroços do navio. Mas foi em submarino muito mais seguro, incomparável, de tecnologia militar russa, construído em aço, material muito mais resistente. Se a viagem com o Titan tivesse sido bem-sucedida, a tripulação e a empresa estariam sendo elogiadas pela coragem, competência e ousadia? Em 2021, houve uma viagem com o Titan sem grande repercussão. Parece mais fácil atirar pedras quando tudo dá errado que aplaudir quando dá certo…

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