sexta-feira, 20 de setembro de 2024
Da infância à barbárie, reflexões e ponderações

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Da infância à barbárie, reflexões e ponderações

Alguém disse um dia que pra todo problema complexo tem sempre uma solução fácil, quase sempre desprovida de razão; idiota. Exagero à parte, fatos comprovam essa tendência popular, num cenário de sabedoria pautada no Google.

Estudos mostram que a violência acompanha a humanidade desde as nossas origens mais remotas. Milhares de guerras tentaram conter a violência utilizando da mesma brutalidade Mas tentou-se também através de normas morais, leis escritas, penas, crenças, lendas e tantas outras estratégias para tentar inibir e reduzir ao mínimo, a externalização da mais pura e brutal animalidade do homem.

A violência jorra na existência humana, sem motivo, sem razão e talvez até por prazer. Ela é um mistério, um desafio às mais complexas fundamentações até hoje apresentadas como verdade. Continua sendo um desafio muito grande compreender o ser humano, em especial as suas violentas manifestações. A antropologia da violência é sem dúvidas um dos mais instigadores campos de trabalho na compreensão da nossa existência aqui neste planeta.

Nas palavras de Nilo Odália, que escreveu um pequeno livro da coleção Primeiros Passos, introdutório ao tema, “Desde o momento em que um longínquo ancestral do homem fez de um osso a primeira arma, a violência sempre caminhou lado a lado com a civilização. E chega aos dias de hoje nas mais diversas formas – física, racial, sexual, política, econômica”. Muitas outras obras foram escritas tentando esmiuçar e compreender a face violenta da conduta humana. A bibliografia sobre esse tema é vastíssima. A grande escritora de origem judaica Hannah Arendt também se debruçou sobre o tema, com o olhar voltado às barbáries do nazismo que até hoje atormentam a humanidade, passado quase um século.

Temos já uma primeira conclusão: a violência humana é muito mais que a morte do corpo, que ceifa o coração e condena um infante à morte prematura. É muito mais que isso. Sim, haja contradição. “Ninguém quer a morte, só saúde e sorte”, cantou Gonzaguinha que morreu de forma violenta aqui no Paraná, num grotesco acidente de trânsito, inusitado. Ele não quis a morte, mas a encontrou subitamente numa pacata rodovia paranaense.

E novos acontecimentos nos enquadram. A chacina de Blumenau comoveu a todos. Pais ficaram imaginando seus filhos no lugar daqueles que caíram sob a lâmina de uma machadinha assassina. O fio do machado ceifa o sopro da vida; pais de filhos únicos ficaram órfãos dos seus pequenos anjos. Inexplicavelmente. Alvoroço total, insegurança, crise de valores, busca de soluções. O sul do Brasil, que desconhece e condena a violência carioca, se vê em uma encruzilhada, à mercê da própria sorte.

Uma luz no fim do túnel

Mas há uma luz no fim do túnel. Vi algumas soluções mirabolantes sendo propostas como forma de impedir que no futuro chacinas de crianças em creches e escolas venham novamente acontecer. Na sua maioria, esses planos de ação atacam as consequências e ignoram as causas.

O ser humano, mulheres e homens são violentos. A cultura humana, incluindo a religião, por vezes, consegue conter esse ímpeto, mas nem sempre têm êxito. Ultimamente, aliás tem falhado ante o enfraquecimento da ideia de Deus e de pecado. Outrora, a lei e o medo da pena eram muito importantes para impedir a barbárie que aniquila a civilização e aproxima os seres humanos da sua condição mais primitiva. Esse arcabouço de defesas perdeu força sem que uma nova referência tenha vindo substituí-lo. Deus, inferno, cadeia; morte. Nada mais assusta. Perdeu-se sobretudo o limite. Então a liberdade de agir volta a reinar na terra de ninguém. A liberdade em tempos de redes abertas virou o Leviatã da pós-modernidade.

Muitos entendidos já se debruçaram sobre isso. A Europa, de vez em quando se defronta com o terrorismo que mata centenas de pessoas, como o ocorrido no metrô de Londres, isso em uma sociedade de primeiro mundo, super controlada.

Outras cenas se repetem

Outras cenas se repetem no oriente com execuções, homens bomba, atentados. Guerra étnica, guerrilhas populares e pestes assustam a África. No Ocidente e no Oriente permanece a violência, nas suas mais diferentes formas de expressão. Estamos, toda a humanidade mergulhada em uma completa selvageria, não menor que as matanças da Idade Antiga.

A ideia de que isso possa ser controlado é extremamente singela uma vez que a sociedade está fora de controle. A violência humana nos dias atuais, aguça inclusive a criatividade e eleva pessoas vulneráveis à condição de herói, seja pelo desafio da própria execução, seja pela fama e pela exposição de mídia. E mais. As redes sociais, os grupos violentos, os incentivos dos amigos de escolas e outras mazelas da nossa cultura moderna fazem o impossível ser facilmente possível, em uma espécie de passe de mágica que se transforme em dor e terror.

A cultura das armas é um capítulo à parte. Muitos defendem o aumento de armas, outros buscam caminhos mais voltados à cultura de paz.

No caso dos ataques que já ocorriam nos EUA em larga escala passaram a fazer parte do nosso cotidiano brasileiro. Ataque a escolas e pessoas, sem nenhum motivo aparente passaram a ocupar as manchetes das páginas dos jornais. A qualquer momento pode aparecer um maluco com uma faca na mão querendo se reafirmar à sua maneira. É o novo momento da sociedade brasileira. E a violência alcança lugares muito pacatos, onde vivem pessoas de trato cortês, isentas de qualquer suspeita.

Como entender tudo isso e o que fazer para estancar essa tendência que está virando moda. Nisso consiste o perigo. Um país de pouca cultura, conhecido por aderir a modismos e tendências. É preciso buscar soluções. De nossa parte, não há como responder a um desafio dessa magnitude apenas com uma singela reflexão. Mas, numa primeira análise, não vemos muito futuro no caminho de armar a população para se defender do outro. O descontrole existente já é perigoso o suficiente. Necessário será buscar outros meios, por vias mais democráticas e pacíficas.

Os próximos meses prometem, no assunto violência escolar. É mais do que escolar, é social. Segue o desafio de encontrar a paz e um futuro melhor e mais seguro para todos. Mais feliz, por conseguinte. Vale a pena relembrar Gonzaguinha em vida, “eu fico com a pureza das respostas das crianças, é a vida, é a vida, é bonita e é bonita”…”viver e não ter a vergonha de ser um eterno aprendiz”. Todos continuamos buscando caminhos mais felizes para resultados mais assertivos.

José Martins é advogado, gestor público e escritor. Autor do livro “A lógica dos tributos – fundamentos históricos e filosóficos”

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