As coleiras de pescoço para cães podem ser adequadas para exibir a sua identidade e, com isso, são uma estratégia de segurança. No entanto, quando usadas com a guia, em passeios, podem trazer sérios danos à saúde do animal.
Um estudo publicado na revista científica Vet Record, por pesquisadores da Universidade de Nottingham, no Reino Unido, constata que, para todos os tipos e estilos de coleiras (de nylon, corda, enforcador e guia unificada, ainda que acolchoadas ou largas), há risco de lesão no pescoço.
“Nenhum colar testado na pesquisa fornece uma pressão baixa o suficiente para diminuir o risco de lesão ao puxar”, sintetiza Camilli Chamone, geneticista, consultora em bem-estar e comportamento canino e editora de todas as mídias sociais “Seu Buldogue Francês”. Também é criadora da metodologia neuro compatível de educação para cães no Brasil.
Segundo a geneticista, o pescoço é uma região nobre do corpo, já que diversas estruturas anatômicas passam por ele. “É o caso da traqueia, que conduz o ar; do esôfago, que conduz o alimento; da coluna cervical, já que no pescoço passa a medula espinhal, que é um prolongamento do cérebro. Além disso, estão localizadas nele a glândula tireoide, importante para o metabolismo do corpo, e a paratireóide, essencial para o metabolismo do cálcio, que tem, entre outras funções, formar os ossos”, detalha Chamone. No pescoço ainda passam veias e artérias, que irrigam o cérebro.
Por isso, ao puxar o animal pelo pescoço, todas essas estruturas correm sérios riscos de serem lesionadas. “Há um senso comum de que, para usar o enforcador, é preciso apenas ‘ter experiência’ com ele, algo disseminado sem nenhum embasamento científico. A Ciência nos mostra que todo equipamento de passeio usado no pescoço pode ser perigoso”, pondera.
Mesmo os pequenos trancos, que ocorrem com frequência e até sem o dono perceber, podem provocar micro lesões que, com o tempo, se somam e causam macro problemas. O uso de equipamentos de passeio no pescoço pode ocasionar, entre inúmeras complicações, redução da oxigenação do cérebro, sub-luxação de vértebras cervicais e problemas graves na traqueia, formada por cartilagem. “Esses trancos podem lesionar essa cartilagem, determinando graves dificuldades respiratórias. Quando isso acontece, é necessária a realização de cirurgia, que pode ser bastante complicada”, alerta Chamone.
Um exemplo trágico e fatal é relatado em pesquisa publicada no Journal of Veterinary Behavior, por cientistas de Frankfurt e de Pulheim, na Alemanha, no qual um pastor alemão, com um ano de idade, foi diagnosticado com lesão cerebral isquêmica grave – uma espécie de Acidente Vascular Cerebral (AVC). Neste caso, ele estava sendo “disciplinado” com uso do enforcador.
“Aos poucos, o cão foi perdendo a coordenação motora e apresentando perda de consciência com os trancos do ‘treinamento’. Devido à gravidade do quadro, precisou ser eutanasiado”, lamenta a geneticista.
Nesse sentido, o uso de enforcador é retrógrado e uma contraindicação absoluta da Ciência.
Puxões no passeio: enforcador não resolve a causa do problema
Um argumento dado por donos para passear com enforcador é que o cão puxa demais no passeio, e a ferramenta ajudaria a controlá-lo. No entanto, Chamone enfatiza: “como o próprio nome diz, o enforcador enforca, estrangula o cão. Ele pode até tracionar menos, mas por desconforto e sofrimento – e isso não resolve a causa do problema”.
Segundo sua experiência em consultorias, o motivo mais comum de o cão tracionar no passeio é pelo fato de viver uma vida de estresse. Nesse sentido, estrangulá-lo com ferramentas inadequadas de passeio gera ainda mais nervoso e ansiedade.
“O estrangulamento pode fazer o cão parar de tracionar, mas desenvolve outros comportamentos compensatórios, como ações compulsivas e dificuldade de aprendizado. Para não tracionar, é preciso tratar a sua ansiedade de forma geral”.
Passeio seguro e sem tração: controle do estresse
Para um passeio seguro e sem puxões, é recomendado, portanto, realizar um controle do estresse no animal, algo ensinado por Chamone em cursos e consultorias.
Esse controle visa manter uma vida equilibrada por meio de quatro pilares: gerenciamento das emoções, alimentação de qualidade, sono satisfatório e rotina de exercícios físicos. “É importante enriquecermos a rotina dos peludos, com brinquedos interativos, osso para roer e, principalmente, passeios”, acrescenta.
E, por falar neles, nada de enforcadores ou outros tipos de coleiras de pescoço: o ideal é usar um equipamento confortável, como é o caso do modelo peitoral.
“Com tudo isso ajustado, seu cachorro certamente deixará de tracionar tanto no passeio e o fará em segurança, com a área mais nobre de seu corpo preservada e sem perigo”, assegura Chamone.