“Me chamo Gabriel, passei no IFPR [Instituto Federal do Paraná] e vou fazer faculdade de Gestão da Tecnologia da Informação. Pretendo logo estar trabalhando na área, estou muito ansioso para o começo das aulas! Espero que minha história possa inspirar e mostrar para todos que o autismo não é uma sentença negativa, quando temos um conjunto de apoio e muita dedicação. Sou grato a todos os professores que me ajudaram a chegar até aqui!”
O autor dessas palavras é Gabriel Domingues Fernandes, um menino de 20 anos que foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) aos cinco, e que depois de uma vida escolar inteira percorrida na rede pública de Pinhais, chega ao ensino superior para continuar a jornada acadêmica e profissional que almeja.
Gabriel também fez parte da turma de 2022 do Cursinho Pré-Vestibular Mais Pinhais, oferecido gratuitamente pela prefeitura que, no dia 13 de janeiro, aprovou 14 alunos no vestibular da UFPR (Universidade Federal do Paraná). O objetivo inicial era conseguir um emprego ou estágio, o que se tornaria mais fácil caso estivesse cursando uma faculdade, foi então que ele começou a frequentar o cursinho e se preparar para a prova do IFPR.
“A gente colocou ele no cursinho da prefeitura pra ele lembrar de algumas coisas, preparar ele melhor, e ele gostou. Amou o cursinho e os professores e gostou muito da Fabiane [pedagoga]. E quando terminou, a gente tentou essa vaga no Instituto, acreditando no potencial dele. Ele sempre estudou com um apoio de uma PAEE [Professora de Atendimento Educacional Especializado], mas dessa vez quis fazer tudo sozinho. Fez o cursinho, a prova no IFPR e não teve ‘ajuda’ [individualizada] de ninguém nessa etapa, de professor, nada, fez o mesmo processo como todos os outros alunos”, recorda a mãe de Gabriel, Elisangela Domingues Ferreira.
O agora calouro de Gestão da Tecnologia da Informação do IFPR começou a frequentar a rede municipal de ensino em Pinhais, no Cmei Vó Margarida. Foi nesta unidade, localizada na rua da casa de Elisângela, no bairro Pineville, que as equipes pedagógicas notaram uma diferença em Gabriel. “Ele não entrosava com os outros alunos e a professora me fez um chamado pra levar ele em uma fonoaudióloga. Então a gente começou a investigação e foi diagnosticado com autismo”, conta a mãe.
Com a descoberta da condição do aluno, a Gerência de Educação Especial e Inclusão Educacional (Gespi) da Secretaria Municipal de Educação (Semed) conduziu a matrícula dele para a Escola Municipal de Educação Especial Elis de Fátima Zem, para que fosse alfabetizado conforme suas necessidades. “Lá, ele ficou durante um ano e meio. Foi alfabetizado, teve um excelente atendimento, imprescindível para o crescimento do meu filho”, lembra Elisângela. Já alfabetizado, Gabriel foi inserido na educação regular, na Escola Municipal Felipe Zeni, onde completou o primeiro ciclo do ensino fundamental até prosseguir no Colégio Estadual Amyntas de Barros, no Pineville. Foi o cursinho Mais Pinhais a sua mais recente preparação para o futuro acadêmico e profissional.
Educação Especial
Ao longo de toda a jornada que precedeu o acesso ao ensino superior, Gabriel sempre frequentou o Atendimento Educacional Especializado, seja com aulas no contraturno do ensino regular, por meio da Sala de Recursos Multifuncionais (SRMF) na Escola M. Aroldo de Freitas, seja com a modalidade ofertada na rede estadual.
A SRMF é um trabalho especializado da Educação Especial que ocorre no contraturno escolar, com professoras especializadas que trabalham de maneira individualizada ou em pequenos grupos com educandos que têm deficiência de qualquer forma: intelectual, física e neuromotoras, deficiências sensoriais, altas habilidades e superdotação – onde também existem duas Salas de Recursos Multifuncionais voltadas exclusivamente para esse público – e também às crianças com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista. A rede municipal também dispõe das salas de recursos para transtornos funcionais específicos que atendem crianças com diagnóstico de distúrbios da aprendizagem e TDAH, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.
Cassandra Fiori, psicóloga e chefe da Seção de Apoio à Inclusão Educacional da Semed, explica como funciona o trabalho nas SRMFs e unidades de ensino, e destaca a participação da família neste processo, cujo exemplo do Gabriel é muito positivo. “A mãe sempre foi muito presente, seguindo as orientações, acreditando, e a dedicação dos profissionais das escolas que ele passou, incluindo o Cmei. As professoras da sala de recursos trabalham com jogos, com atividades pedagógicas diferenciadas, com vivências, dinâmicas, projetos, não trabalham o conteúdo escolar mas trabalham as dimensões do desenvolvimento necessárias para a aprendizagem, para a vida plena em sociedade, então, por exemplo, a dimensão cognitiva, a dimensão afetiva e social, a psicomotricidade, as funções mentais superiores, a autonomia, as atividades de vida diária, de vida prática. No caso do TEA, elas também desenvolvem os aspectos sensoriais, atividades que estimulam esse processo de reconhecimento, trabalham junto com a família e com a unidade de ensino. Então o papel da SRMF não é só atender a criança, elas fazem a ponte entre o ensino regular, a família e a criança, é uma tríade de atendimento. Têm que estar presentes esses três pontos para o trabalho dar certo. Na SRMF as professoras também acompanham, junto com a unidade de ensino, a elaboração do Plano de Ensino Individualizado, o PEI, que algumas crianças têm a necessidade de que seja elaborado. São crianças que não acompanham o currículo da turma e precisam de uma flexibilização curricular de moderado ou grande porte. Também acompanham junto ao ensino regular a adaptação dos materiais, no caso do TEA, a grande maioria das vezes eles são mais visuais, então precisa trazer imagens na prova, ícones, pictogramas, para que a criança possa ter acesso a esse conteúdo que está sendo transmitido para todos”, afirma.
A chegada do Gabriel ao ensino superior é resultado de uma história de direitos e deveres, construída, principalmente, a partir da presença. Mãe de outro filho autista, o Rafael, de 12 anos, Elisângela conta que precisou parar de trabalhar fora e então começou a fazer artesanato. “Desde que meus filhos nasceram, eu não pude mais trabalhar, ainda mais depois que o Gabriel foi diagnosticado. Eu sou artesã, faço artesanato há anos já, o meu marido é autônomo, trabalha de entregador, e assim a gente vai vivendo. Eu gosto muito de morar aqui [Pinhais] e isso que aconteceu com meu filho veio, assim, me deixar mais feliz ainda. Agora eu creio que logo, daqui a algum tempo, peço a Deus que eu tenha essa mesma felicidade com o meu filho mais novo”, contempla.
O caçula Rafael, que já estuda na rede estadual, percorreu um caminho já conhecido da família. “O meu segundo filho, também autista, já saiu dos cuidados da educação municipal, e foi muito bem cuidado, para ser inserido na educação do Estado. Então vale a pena, mas você tem que acreditar, parar de reclamar e lutar junto. Esse é o segredo”, declarou Elisangela.