Durante uma palestra para estudantes de um cursinho preparatório, pedi para que tentassem descrever com uma palavra qual era o maior problema deles relacionado aos estudos. Foi um festival de adjetivos que sugeriam problemas como hiperatividade, TDAH, falta de foco, distração, memória ruim, dislexia e falta de concentração. Ou seja, problemas que dificultavam manter o foco naquilo que era realmente importante: tirar boas notas e ser aprovado nas provas e exames. O maior desses problemas, entretanto, não foi apontado: a autocrítica.
Autocrítica é um comando mental destrutivo que sabota os estudos, compromete a aprendizagem e pode levar o aluno ao fracasso. Que candidato nunca se sentiu menos preparado que os concorrentes num processo de seleção e, por isso, ficou dizendo coisas ruins a respeito de si mesmo? Quem nunca teve a sensação de que estava sendo fraco, que iria perder a chance da vida de passar naquele concurso, prova ou exame? Quem nunca estudou acima das forças e se viu num estado de estresse, chicoteando a si mesmo e exigindo sempre mais? Qual aluno nunca desmereceu os próprios esforços, criticando a si mesmo o tempo todo, dizendo que não conseguiria ser aprovado?
Todo estudante em algum momento já ouviu a voz tirânica da autocrítica gritando frases de desmotivação e sabotando os planos, especialmente entre os mais jovens, que nem sempre sabem lidar com este problema. Por isso, passar no teste da autocrítica é a primeira prova que um estudante precisa vencer. Às vezes, pode parecer uma coisa boa criticar a si mesmo, mas, em geral, o sentimento associado à autocrítica pode ser extremamente destrutivo e paralisante nos estudos, porque somos sensíveis às críticas quando o assunto é estudar para provas e concursos.
A autocrítica pode nascer de eventos específicos que acontecem em nossas vidas. Por exemplo, certa vez, tive uma aluna em meu curso de memorização que disse detestar matemática. Isso a impedia de memorizar, mesmo com as técnicas que eu ensinava. Ao entrevistá-la, descobri que, na quinta série, sua professora de matemática a havia chamado de burra na frente de todos os outros alunos. Resultado: Em todas as vezes que ela tinha que enfrentar as fórmulas e equações, sua mente emitia uma opinião crítica sobre o péssimo desempenho e ela se sabotava.
A autocrítica reflete as experiências de nossa própria memória. Ela reproduz os dedos que nos foram apontados desde a infância, quando pais, professores e colegas nos diziam frases como: “Você tem que estudar mais para passar”; “Quem não estuda se dá mal na vida”; “Se você não tirar boas notas, não vai arrumar um emprego”; “Deixa de ser preguiçoso, você precisa se esforçar”.
A autocrítica cria cenários que despertam no estudante sentimentos como ansiedade, preocupação, demanda excessiva e medo de fracassos futuros. Esses estados mentais podem elevar o nível de cortisol e causar falta de concentração, dificuldade de memorizar e também lapsos de memória na hora mais importante para o aluno, a hora da prova.
Quando damos ouvidos à voz da autocrítica, o medo do fracasso e a constante necessidade de aprovação dominam nossa consciência e prejudicam a preparação nos estudos a ponto de, muitas vezes, levar ao desejo de desistir. Quanto dinheiro escolas e universidades perdem todos os anos devido à evasão de alunos? E se parte dessa evasão for reflexo da autocrítica?
O caminho para superar a autocrítica que sabota os estudos pode ser, em primeiro lugar, lançar um olhar de clareza e compaixão sobre a motivação existente por trás de uma crítica, pois nem toda crítica tem o objetivo de nos ferir, mas foi a última forma que a pessoa que nos criticou tinha para nos chamar atenção. Por exemplo, quando um pai critica o desinteresse de um filho pelos estudos, ele pode estar, no fundo, alertando para a falta que a educação pode fazer em seu futuro. É preciso ter clareza e consciência para reconhecer o lado bom da crítica.
Um estudante que sofre devido à autocrítica precisa saber que ela tem um lado positivo, que ela é a expressão de um forte senso de responsabilidade. Ninguém exige tanto de si mesmo quando não tem um propósito bem definido. Nesse contexto, a autocrítica é um bom sinal, porque significa que existe um objetivo no radar, um desejo de vencer e conquistar algo melhor.
Olhando de forma pragmática, a autocrítica é como um técnico de futebol irritado que diz coisas duras para tirar seus jogadores da zona de conforto, fazendo com que deem o melhor de si. Por isso é preciso ter a mente consciente para não transformar o crítico interno num carrasco que fará você desistir de correr atrás dos seus sonhos.
Portanto, quando você estiver estudando, concentre-se no que está fazendo de bom e em seu propósito de vida. Pense nos passos certos que você está dando e deixe de lado os pontos fracos em que você não é tão bom. Na verdade, reserve um tempo para cuidar deles em outro momento.
Renato Alves é pesquisador cognitivo e principal autor brasileiro nas áreas de aprendizagem, concentração e memória
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