A artista plástica e performer Marina Abramovic realizou em 2010 no Museu de Arte Moderna de Nova York, o MOMA, uma exposição inesquecível chamada “O Artista está Presente”. Como toda ideia genial, Marina concebeu algo extremamente simples, como ficar sentada numa cadeira olhando para uma pessoa sentada à sua frente. Quem chegava podia sentar e ficar alguns minutos nessa troca de olhares (tem alguns vídeos no Youtube mostrando esse trabalho, é só colocar Marina Abramovic e MOMA. Vale a pena).
O que parecia que seria uma performance voltada a poucos aficcionados ou pessoas do meio artístico, virou um sucesso estrondoso, com pessoas dormindo na frente do Museu para ficar alguns minutos em contato com a artista. Filas dobrando o quarteirão. Marina descreve, em um documentário sobre essa exposição, que fazia um trabalho profundo de lentificação de seus pensamentos através da respiração para ficar em estado de Presença e Atenção Plena diante das pessoas. Também conhecido como Estado Meditativo. Recebia, nesse estado, todo tipo de resposta afetiva dos participantes: medo, dor, simpatia, amor, tudo acontecendo como se não houvesse ninguém no entorno. Como se as duas pessoas se olhando estivessem numa bolha, separada do mundo.
A exposição teve tanta repercussão que gerou interesse na comunidade científica. Neurocientistas levaram Marina Abramovic para o laboratório para estudar o que acontecia no seu cérebro enquanto olhava para a pessoas à sua frente. Mas não ficava só nisso: pegavam as estagiárias para ficarem sentadas e mediam as ondas cerebrais da artista e das meninas. Os achados foram impressionantes: Marina tinha uma capacidade de relaxamento e sincronização cerebral muito acima do comum. Talvez por isso tenha ficado cerca de setecentas horas sentada imóvel diante das pessoas que não conhecia durante semanas da exposição. Mas o mais interessante não foi isso: os cientistas documentaram uma sincronização entre as ondas cerebrais da artista e das pessoas que sentavam à sua frente. Como se estivessem na mesma sintonia. Ou na mesma sincronia. Foi uma pesquisa que levanta questões sobre a ação à distância de nossas ondas e vibrações, manifestadas em nosso cérebro como eletricidade mas também como ondas eletromagnéticas. Isso quer dizer que, uma pessoa com “good vibes” cria uma ação no seu ambiente. O estado de Atenção Plena tem um efeito “contagioso”, gerando sincronização. Por isso gostamos de ficar perto de pessoas com essa energia harmônica.
No trabalho terapêutico, aprendemos a criar esse “campo” de interconexão e sintonia com a pessoa que está à sua frente, geralmente em sofrimento. Ficar em silêncio, olhando para o Outro, gera conexão, e um campo psíquico favorável. Tudo isso para gerar cura e transformação.
Quando vejo as imagens da exposição de Marina Abramovic fico sempre emocionado, por perceber que lá reside uma espécie de cura para nossos tempos, onde estamos com os olhares apartados pelas telas. O mais interessante foi a mesma ter sido realizada em Nova York, que é uma espécie de símbolo de nossa vida de correria e perseguição de resultados, onde as pessoas mal trocam olhares e andam de cabeça baixa nas ruas. Milhares de pessoas esperaram horas para ter um contato humano e experimentar as próprias emoções diante do olhar amoroso da artista. Troca de olhares em tempos famintos.
Obrigado, Marina, por estar presente.
Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”