A conta não fecha: para cada seis ou sete casais, existe apenas uma criança para adoção. O entrave está no perfil, mais especificamente a idade. “A maioria dos casais e pessoas habilitadas tem preferência pelos bebês. Próximas dos oito, nove anos de idade, as crianças ainda são adotadas, mas a partir disso, fica bem mais difícil. E é um direito das pessoas poder optar. É uma questão cultural no Brasil, no Paraná. Mas adotar vai além. Passa por um querer genuíno. Partindo desse ponto, se torna mais simples entender e percorrer esse caminho”, conta o promotor David Kerber de Aguiar, que atua na 2ª Promotoria de Justiça de Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, convidado do programa Assembleia Entrevista, que trata do processo de adoção no Brasil.
Mesmo esse “caminho” sendo desafiador, o promotor abordou o tema e orientou com delicadeza quem tem interesse em adotar. “Ouço as pessoas dizerem que querem adotar um bebê para viver uma primeira história com ele. No entanto, quem disse que não é possível viver isso com uma criança maior, proporcionando a ela o primeiro aniversário ou a primeira viagem? O mesmo vale para ‘quero ter um bebê pequeno, porque dá menos trabalho’. Quem tem um recém-nascido sabe que isso não é verdade. A idade não pode ser um fator decisivo para aqueles que pretendem adotar com o desejo de serem pais e mães; e o nosso papel é estimular a adoção tardia para que as crianças possam deixar o acolhimento e fazer parte de uma família de verdade”, disse.
De acordo com o promotor, o primeiro passo para adotar é buscar uma Vara da Infância e Juventude local para entrar com um pedido simples. Sem custas, sem advogado. “Claro que será necessário fazer exames médicos, avaliação psicológica e social, e passar por um curso, uma aprendizagem mesmo. Acho que todos os pais, sejam biológicos ou do coração, deveriam passar por este curso”, indica. Em seguida, as informações são encaminhadas ao Ministério Público. Assim que a habilitação for homologada, a pessoa ou o casal entram no Sistema Nacional de Adoção. Assim, com o perfil desejado é que o Sistema vai promover o encontro entre a criança apta e o candidato a adotante.
Para Aguiar, a legislação em torno do tema é satisfatória. Prevê, por exemplo, que se conclua uma ação de destituição de pátrio poder num prazo de 120 dias, razoável considerando a delicadeza do assunto. “O mesmo vale para o processo de reintegrar uma criança à família de origem, afinal, não se pode tirar uma criança da sua família de uma hora para outra, antes de tentar todas as formas de conciliação”. As leis também preveem que o adotante seja maior de idade e tenha uma diferença de 16 anos do adotado. A regra é ainda não separar irmãos. A preferência é para a adoção conjunta. Mas há exceções. Se houver violência entre os irmãos. Eles não podem, nesse caso, estar juntos. O que é necessário, na visão do especialista, é a conscientização com relação aos perfis.
Outros temas que envolvem a adoção também foram abordados ao longo do programa. Por exemplo, os critérios para as visitas nas casas de acolhimento, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); tudo que gira em torno da adoção após os pais levarem os filhos para casa e os programas de apadrinhamento. Nesse caso, as pessoas também precisam estar habilitadas na Vara da Infância. “Esse sistema é muito bom, porque proporciona uma convivência familiar para as crianças e adolescentes, que, infelizmente não tiveram acesso a um contato familiar. O apadrinhamento afetivo ensina também sobre o desligamento das pessoas das vidas umas das outras de forma madura. Outro meio de apadrinhamento é que as pessoas devidamente habilitadas promovam atividades dentro das casas de acolhimento. Muitos querem ajudar financeiramente. É papel do Estado, mas nada impede essa forma de ajuda, dentro das regras”, informou David. “Quem participa do programa de apadrinhamento afetivo, em tese, não está habilitado para o Sistema Nacional de Adoção. Na prática, quem vai para o programa é justamente quem não tem casais ou pessoas interessadas na adoção. Por isso, é possível estudar, caso surja um desejo de adotar nesses padrinhos”, completa.
Estar inserido nesse processo não é uma tarefa fácil, já que se lida diariamente com a violação de direitos pela qual passaram e passam as crianças e adolescentes. “Para tentar minimizar a situação de tantos não adotados, a própria justiça promove ações para aproximar e sensibilizar os casais e os possíveis adotantes. E quando há desfechos positivos, percebemos quanto a convivência transforma. Há uma simbiose a ponto da criança e os pais apresentarem semelhanças até mesmo na aparência, com o passar do tempo. E isso é motivador para quem atua nesse processo”, finaliza.
Números do Paraná
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, são 3.751 crianças e adolescentes acolhidos no estado, com poder familiar já destituído, e 33.046 famílias habilitadas à adoção. A discrepância de um número para o outro se dá justamente pelos fatores abordados na entrevista. Entre as 3.751 crianças, mais de 2,6 mil têm mais de oito anos, apenas 279 têm até dois anos e 742 são adolescentes.