Para a indústria de petróleo e gás, os riscos e incertezas que têm permeado o setor estão potencializados em 2022, a começar pela guerra entre Rússia à Ucrânia. As sanções dos Estados Unidos e da União Europeia à Rússia deverão tirar três milhões de barris por dia de exportações deste país do mercado. Também persiste o impacto de longo prazo da pandemia. Tudo isso provoca um choque de oferta, com distribuição restrita e interrupções no fornecimento, levando o preço do barril a US$ 139, o maior desde 2008, quando o valor do brent era de US$ 146.
Apesar desse cenário de majorações, poderá ocorrer uma reversão nesse quadro se a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) ampliar a produção e a extração não convencional dos Estados Unidos crescer na proporção estimada por analistas. Caso essas possibilidades concretizem-se, haverá excedente de oferta de óleo de até 6,4 milhões de barris adicionais por dia, no final deste ano. O volume poderá ser ainda maior se ocorrer um novo acordo nuclear com o Irã, recolocando esse país como provedor do mercado internacional.
Outro fator que poderá reduzir a demanda global refere-se à China, pois sua estratégia de zero Covid-19, incluindo rígidos lockdowns intermitentes e outras medidas, limita os negócios. Além disso, as políticas econômicas e ambientais do presidente Xi Jinping poderão desacelerar a expansão econômica do país e, portanto, diminuir seu consumo de petróleo. Ademais, o cenário geopolítico de conflito deverá manter-se por um período superior ao estimado, principalmente se for efetivada a entrada de Suécia e Finlândia na Otan.
Tais fatores poderão acelerar a execução das propostas legislativas Fit for 55 da União Europeia, destinadas a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 55% até 2030. Isso implica diminuir de modo significativo o uso de combustíveis fósseis. Apesar de todas essas iniciativas e previsões, essa transformação energética tem se demonstrado mais complexa do que se estima e não será surpresa termos de conviver por muitos anos ainda dependentes do petróleo e gás.
Em um cenário de dúvidas entre a falta ou excesso de oferta no mercado internacional, as empresas de petróleo e gás também precisam prestar atenção aos governos e às pressões sociais e ecológicas relativas às mudanças climáticas, que ganham cada vez mais força, inclusive pela ampla facilidade de comunicação e mobilização das redes sociais. Apesar do grande lucro gerado neste primeiro trimestre de 2022, com fluxos de caixa livre para pagamento de dividendos bem relevantes, investidores ativistas têm transferido parte dos seus aportes para a energia verde.
Em decorrência de todos esses fatores e da consequente transformação no portfólio das empresas do setor, adicionando ativos de energia limpa e renovável em sua carteira de projetos, as companhias nacionais de petróleo terão ainda mais poder e domínio do mercado. Afinal, independentemente do que aconteça mais à frente, as necessidades mundiais de energia não estão diminuindo.
Como se observa, há mais perguntas e incertezas do que respostas, e estas estão fora do controle do setor de petróleo e gás. Resta-lhe cautela e adoção de medidas estratégicas. Nesse sentido, apresentamos aqui sete ações que as empresas podem adotar para atravessarem a turbulência. A primeira delas é ter um plano de ESG (Environmental, Social and Governance / Ambiental, Social e Governança Corporativa) para abordar proativamente as preocupações dos investidores e dos stakeholders. A segunda sugestão é revisar o manual de crise e verificar se ele inclui todos os riscos emergentes e prováveis cenários futuros.
Outra medida é reavaliar a política de gerenciamento de risco de commodities da empresa, visando prepará-la para as mudanças de curto e de longo prazo no ambiente de preços e o seu impacto sobre os clientes e acionistas, além do envolvimento do governo. Também é pertinente estudar em profundidade a legislação e as ações governamentais, avaliando como podem afetar os negócios. O propósito aqui é preparar a companhia para mudar rapidamente e aproveitar as oportunidades em caso de alteração de normas, leis e políticas públicas.
É importante, ainda, um esforço na construção de relacionamentos, mantendo, fortalecendo e ampliando as conexões com todos os stakeholders relevantes (ambiente cada vez mais colaborativo), incluindo grupos de consumidores, governos, reguladores e a sociedade em geral. Da mesma forma, é aconselhável a cooperação entre setores diversos, contribuindo para se criar proativamente uma regulamentação razoável.
A sexta sugestão é revisar a configuração atual da cadeia de suprimentos e avaliar como a interrupção pode ser reduzida e a resiliência, ampliada. Cabe observar se as operações são suficientemente flexíveis e fortes para adaptações e ajustes em tempo real em relação às mudanças nos fluxos comerciais eventualmente provocadas pelos fatores conjunturais. Finalmente, deve-se reavaliar a defesa cibernética. Ataques virtuais talvez sejam a ameaça visível mais subestimada do setor, lembrando que este último não é um tema novo e que já tivemos algumas experiências negativas com ele no Brasil.
Quando não é possível controlar as causas dos riscos, é preciso estar preparado para enfrentar as consequências. Fazer essa lição de casa com eficácia é a única certeza atual da indústria de petróleo e gás.
Anderson Dutra é sócio-líder de Energia e Recursos Naturais da KPMG no Brasil e Rodrigo Milo é sócio de Segurança Cibernética da KPMG no Brasil.