Norberto Bobbio não era um liberal, mas conseguiu definir com extremo realismo as relações entre liberalismo e a democracia. Disse ele: “Ideias liberais e métodos democráticos vieram gradualmente se combinando, de tal forma que hoje apenas os Estados nascidos liberais são democráticos, e apenas os Estados democráticos protegem os direitos do homem: Todos os Estados autoritários do mundo são ao mesmo tempo antiliberais e antidemocráticos”.
Vivemos tempos curiosos, onde as narrativas valem mais do que a verdade. Isto se traduziu de forma clara sobre os conceitos políticos. Definições de conservadorismo, democracia e liberalismo foram subtraídas por grupos que pouco se identificam com estes conceitos, mas usam os termos em benefício próprio, se apropriando de sua força, porém sem identidade com seus valores.
O entrelaçamento entre grupos de direita, conservadores, liberais e outras matizes se encontraram em uma pauta comum, que acabou unindo os mesmos vetores na eleição seguinte. A confusão começou quando a identidade passou a tomar colorações mais claras e muitos passaram a se enxergar diferente dos conceitos que um dia defenderam.
Conservadores, por exemplo, são caracterizados pelo princípio da prudência, são cautelosos e preferem a mudança de forma calma e gradual. Aceitam o avanço dos conceitos na medida que são internalizados pela sociedade. Evitam solavancos institucionais, rompimentos abruptos e radicalismos. O conservador é um democrata moderado por excelência, aquele que opta pela criação de consensos ao invés do duelo.
Os liberais defendem, antes de tudo, a limitação do poder dos governos diante do cidadão, por isso são a favor do livre mercado, livre iniciativa e o empreendedorismo. Podem optar por guinadas ousadas, especialmente na economia, optando por reformar profundamente sistemas estatizantes. No âmbito pessoal optam pela plena liberdade do cidadão em viver sua vida diante de suas verdades, assimilando amplamente a diversidade e as paixões políticas.
Ambos são democráticos, ou seja, aceitam que devemos viver sob a égide de um Estado Democrático de Direito que assegura direitos e deveres, reconhecendo o Império da Lei como elemento essencial de convívio social. Optam, assim, por rejeitar o absolutismo, autocracias, ditaduras, autoritarismos e totalitarismos que flertam com a ruptura institucional. Cada um por seu caminho, liberais e conservadores, são invariavelmente democratas.
Subtraídos por oportunistas que torceram seus conceitos, conservadorismo e liberalismo precisam resgatar sua essência e se libertar de projetos políticos de cunho personalista que mancham sua imagem, deturpam seus conceitos e sua verdadeira essência. Como ensinou Bobbio, populismos jamais conseguem trafegar pelas mesmas vias dos verdadeiros valores democráticos de liberais e conservadores. Vivemos tempos que precisam de mais esclarecimento e lucidez.
Márcio Coimbra é presidente da Fundação Liberdade Econômica. Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal. Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos, Espanha.