Na terça-feira (31/08), em pronunciamento na TV, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, fez um apelo à população por um “esforço” de redução no consumo de energia elétrica. O ministro, ao mesmo tempo em que buscou tranquilizar a população, dizendo que não há risco de racionamento no fornecimento de energia, deixou claro que a crise é grave e pediu aos consumidores que reduzam o desperdício de energia por meio de ações como, apagar as luzes e aparelhos que não estão em uso.
O ministro também anunciou a chamada “bandeira tarifária escassez hídrica”, que entrou em vigor no dia 1º de setembro e vai até 30 de abril de 2022. A nova bandeira adiciona R$ 14,20 na conta de luz para cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos. Até então, o preço mais elevado era o da “bandeira vermelha patamar 2”, cujo valor era R$ 9,49, reajustado em junho.
Por mais que o ministro tente tranquilizar a população, é perceptível que o país enfrenta sua pior crise hídrica e energética em 91 anos. Tanto que o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou, na quarta-feira (1º), que “pode ser que tenha que ocorrer algum racionamento” de energia elétrica em razão de crise energética no país. Mourão deu a declaração ao conceder entrevista coletiva à imprensa no Palácio do Planalto. O vice-presidente foi questionado sobre a decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de criar uma taxa extra ainda mais cara a ser cobrada na conta de luz.
Consumidor residencial é o maior penalizado
A escassez de chuvas, especialmente nas regiões Sul e Sudeste, tem afetado os reservatórios das usinas hidrelétricas, fornecedoras de 60% do abastecimento no país. Por causa disso, tem sido necessário o acionamento das usinas termoelétricas (mais cara) e a importação de energia da Argentina e do Uruguai, tornando o serviço mais caro. E o impacto maior nessa conta é sobre o consumidor residencial, que tem seu padrão de vida afetado, bem como seu poder aquisitivo diminuído no consumo de outros itens essenciais, a exemplo da compra de alimentos, que também estão sofrendo barbaramente com a inflação. O setor industrial e comercial, ao sofrer um aumento de custos com energia elétrica, tem como inserir esses valores aos preços finais de seus produtos e serviços, repassando, enfim, essa conta a seus consumidores. Já o usuário residencial, não tem como repassar essa alta de custos, ficando na dependência unicamente de seus rendimentos mensais para quitar seu orçamento doméstico. Em sua maioria, esses rendimentos são provenientes de salários que nunca alcançam um ganho real acima da inflação. Se houver racionamento ou um “apagão”, não é difícil, também, deduzir que o Governo Federal deverá priorizar o fornecimento de energia para as capitais e regiões metropolitanas, onde há maior concentração de população e maior demanda, por consequência. As populações de regiões menores, e afastadas dos grandes centros urbanos, serão as primeiras a sofrer o impacto da falta de energia elétrica.
Falta de investimentos
Porém, culpar apenas o regime de chuvas não é a solução. Passou da hora do país continuar permanecendo na dependência de abastecimento energético a partir das hidrelétricas. Esta é uma tragédia anunciada, mais uma, num país em que, há muito tempo, se tenta remediar problemas, ao invés de preveni-los.
Conforme o sócio da Chenut Oliveira Santiago Advogados, especialista em Direito de energia, Felipe Alves Pacheco, a crise energética brasileira é extremamente grave. “Historicamente, pouco se aprendeu com o racionamento de 2001. Os governos que se sucederam não promoveram os investimentos necessários ao longo dos anos, nem concederam satisfatoriamente incentivos para diversificação da matriz energética”, diz ele em reportagem em veículo de imprensa. Ele lembra da crise de 2001, quando o país era dependente da água das hidrelétricas para gerar 85% da sua energia. Hoje, com maior diversificação de fontes de abastecimento, o patamar ainda é alto, de 61%.
Mudanças climáticas
O que não pode mais ser negligenciado é que as mudanças climáticas estão aí para ficar. Talvez, por um longo tempo. E o país não pode mais ficar na dependência do regime de chuvas para garantir o abastecimento de energia elétrica e de água potável. Investimentos significativos deveriam ter sido feitos desde há vinte anos, quando da primeira crise de energia, em 2001. O mesmo acontece com o abastecimento de água. No caso do Paraná, acredito que é necessário mais investimentos da Sanepar. A região da Grande Curitiba cresceu muito nos últimos vinte anos e uma crise de abastecimento já era prevista duas décadas atrás, e mesmo assim nada foi feito de forma efetiva. O desmatamento na Amazônia tem influenciado o regime de chuvas no Sul e Sudeste. Entretanto, medidas de combate ao desmatamento e de reflorestamento, se fossem tomadas, levariam um tempo muito longo para surtirem efeito. Não se pode contar, apenas, com as intempéries do clima, que também sofre influência de outros fatores, além da Amazônia.
Diversidade de matrizes energéticas
É muito lamentável que o país, nos últimos anos, não tenha investido significativamente em outras matrizes energéticas, a exemplo de fontes renováveis de energia como, a eólica, a solar e a biomassa (combustão de resíduos vegetais e animais). E até mesmo em energia nuclear, a exemplo de países europeus. Foram sucessivos governos que negligenciaram a questão, e agora, com o agravamento das mudanças climáticas, a corda está arrebentando. E poderá afetar uma série de questões: crescimento econômico, inflação e as eleições presidenciais em 2022. Na próxima campanha presidencial, aliás, este tema deve ser amplamente debatido. Pois, estamos chegando ao limite do problema e contar somente com a ajuda de São Pedro não tem mais surtido efeito.