Será que economia e saúde são mesmo extremos opostos da atual crise sanitária? Ou vivemos hoje falsas contradições? Se voltássemos no tempo dois, três ou cinco anos, essas perguntas sequer fariam sentido. Afinal, uma população de doentes e entubados não tem como gerar riqueza e a geração de riqueza é a essência da atividade econômica.
A partir de março de 2020, as medidas de restrição ao convívio social tiveram um impacto devastador sobre a economia em todo o mundo. No caso brasileiro, o PIB – principal indicador de atividade econômica – chegou a cair quase 9% no terceiro trimestre, o desemprego rapidamente atingiu 14 milhões de pessoas e a confiança de empresários e consumidores atingiu os níveis mais baixos das séries históricas.
Assim, frente a esse impacto imediato, criou-se a ideia de que economia e saúde estavam em confronto e que seria preciso priorizar o isolamento social para evitar uma catástrofe sanitária, ainda que às custas do bem-estar material da população.
Passados mais de doze meses desde o início da pandemia, existem diversas lições a serem destacadas. A primeira delas é que as restrições às atividades econômicas não impedem necessariamente a disseminação do coronavírus. Em todo o mundo, multidões lotaram praias durante as fases de lockdown, festas clandestinas foram interrompidas pela polícia e até cruzeiros de cidadãos europeus pelos rios da Amazônia ocorreram.
Criou-se, então, uma noção clara de que economia e saúde são pratos de uma mesma balança e a busca de um equilíbrio entre eles é o grande desafio, pois depende da sensatez de governos e cidadãos. Atitudes negligentes por parte dos governantes foram observadas desde o início no Norte da Itália, por exemplo, e ainda se repetem mundo afora, e aglomerações insensatas estão na raiz da onda avassaladora que está varrendo a Índia desde meados de abril.
Hoje, mais do que nunca, a solução da dupla crise econômica e sanitária depende de uma única coisa: o avanço rápido da vacinação. E aí, uma vez mais, o fator escasso, o grande obstáculo que nos ameaça, é a falta de bom-senso de governantes e da população. O episódio de vendas clandestinas de vacinas falsas, registrado em Minas Gerais, é um exemplo de como a insensatez pode gerar atitudes criminosas, a um só tempo mesquinhas e patéticas.
De um lado, temos ouvido supostos cientistas pedirem um lockdown nacional de três semanas e um milhão e meio de vacinas por dia. Mas, em que país com os níveis de desorganização e desigualdade social como o Brasil isso já foi feito? Esse é apenas um sonho de imunologistas, tragicamente distante da nossa realidade. Os exemplos do Reino Unido e da Alemanha simplesmente não servem para o caso brasileiro, país com uma renda per capita sete vezes menor que a média daquelas nações e com níveis de desigualdade social dentre os maiores do mundo. De outro lado, temos os negacionistas, cujos argumentos são tão estapafúrdios quanto a ideia de Terra plana e que não vale a pena comentar.
Vivemos hoje uma crise de insensatez. Precisamos urgente de injeções massivas de bom-senso e uma campanha nacional de ampliação do sentimento de responsabilidade individual e coletiva. Nesse terreno propício – e só nele – será possível esperar o lento avanço da imunização que caminha a passos de cágado em quase todo o mundo.
Robson Gonçalves, economista, professor dos MBAs do ISAE-FGV