O episódio do deputado federal Daniel Silveira, preso pelo STF por ter insultado e ameaçado o ministro da Suprema Corte, além de defender a volta do AI5, revela uma grande contradição dentro do Estado Democrático de Direito. Não é de hoje que integrantes da extrema direita defendem a volta do AI5, pregando a volta do regime militar. Ora, mas o deputado alega que estava sob o manto protetor da imunidade parlamentar e da liberdade de expressão, garantida pela Constituição Federal.
O problema é que Silveira claramente ameaçou em vídeos na internet a partir da defesa do uso da violência contra o STF. Até, mesmo, no momento de sua prisão, reagiu com truculência. Esperar o que de um deputado que, quando policial, foi preso por noventa vezes? O pior é saber que um candidato com essa ficha corrida foi eleito pelo povo. Como parlamentar, tem feito ataques sistemáticos a Corte, não apenas às pessoas de alguns ministros, mas, a instituição como um todo. Defendeu o fechamento do STF, um dos pilares da nossa democracia tripartite.
DECISÕES CONTRADITÓRIAS
Uma coisa é criticar o posicionamento e decisões de ministros específicos do STF, ou mesmo do tribunal pleno, em julgamentos, apontando-se eventuais arbitrariedades, inconsistências, parcialidade ou violações a lei e a norma constitucional. Outra coisa bem diferente, é abrir mão da razão e de uma argumentação consistente para atacar e ameaçar ministros, ofender e incitar a violência contra eles ou ir além e pregar o fechamento da Suprema Corte. A racionalidade passou longe da postura desse deputado, que aferra-se a truculência e defesa da barbárie para defender um suposto direito de liberdade de expressão que nossa Constituição preconiza. Mas, não há norma absoluta no Direito, considerando-se que todo direito implica deveres e responsabilidade. A liberdade de expressão não pode ser usada para cometer crimes contra a honra de quem quer que seja, tampouco para incitar a violência, o ataque as instituições e a democracia. Tampouco, a imunidade parlamentar é para permitir coisas assim. O ministro Alexandre de Moraes argumentou que o deputado cometeu crime contra a Lei de Segurança Nacional.
CHEQUE EM BRANCO
O maior absurdo nesse caso é usar a democracia para defender o fim da democracia. Usar a liberdade de expressão para defender a volta do regime militar. Perigosíssimo defender o fim da democracia e da liberdade de expressão apostando que um governo sempre trará a garantia de que não nos dará motivos para ser criticado ou, mesmo, combatido. Seria assinar um cheque em branco a um governante, dando-lhe plenos poderes pares fazer o que bem entende sem poder criticá-lo. Já aprendemos com Maquiavel na escola: ”todo poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Bem, pelo jeito, há muita gente que deve ter faltado a essa aula ou mesmo jamais a teve, considerando o nível da educação atual no país… Um governante que sabe que não pode ser criticado, por melhor que ele seja, não irá extrapolar, cometendo abusos de poder? Muito arriscado e inocente apostar nessa…
ATIVISMO JUDICIAL
Por outro lado, bolsonaristas defensores do deputado reclamam que ditadura maior vem do STF, que tem extrapolado com seu ativismo judicial e em decisões de tribunal que atentam contra a democracia, a Constituição Federal e o combate a corrupção. Não há dúvidas de que há uma turminha de ministros lá que passa dos limites. Mas, isso não se combate com posturas fora da lei, com violência e incivilidade. Bolsonaristas sempre ouviram a promessa de que, se Bolsonaro fosse eleito, indicaria um ministro bastante alinhado ao conservadorismo. Mas, o que ele faz quando chega sua vez de unificar um ministro? Escolhe Kassio Nunes, uma figura que não tem nada a ver com a direita, muito menos, com o bolsonarismo-raiz. Nunes, aliás, votou favoravelmente a prisão de Silveira e também a Lula em processo da Lava-Jato.
LEGAL OU ILEGAL
Nesse episódio, é impossível defender algum lado: STF ou o deputado? Simplesmente, porque não há lado certo, afinal, ministros do STF, nos últimos anos, têm julgado de forma bastante questionável em favor da destruição da Lava-Jato.
Também questiona-se a legalidade da prisão do deputado, que só seria permitida em caso de flagrante, conforme a legislação brasileira. Contudo, há debate entre juristas. O que seria flagrante nos dias atuais, em tempos de internet? O deputado estava com seu vídeo no YouTube permanentemente, recebendo incessantes visualizações. Ou seja, o ato criminoso persistia em seus efeitos enquanto o vídeo encontrava-se no ar. Um vídeo postado na internet, mas que é mantido seu acesso ao público de forma ininterrupta, continua atingindo seu intento, não?
REFLEXO DO ELEITORADO
O mais lamentável é verificar que o deputado é reflexo de seu eleitorado, e de muita gente que pensa como ele. Não há dúvidas de que se trata de um despreparado para a função parlamentar, mas, que tem seu público cativo, que faz coro a seus ataques e ameças. Cidadãos brasileiros, eleitores, que não são partidários a democracia. Defendem a truculência como forma de combater a corrupção e a impunidade. Equivocadamente, acreditam que “botar ordem no país” só seria possível mediante uma ruptura com o regime democrático.