sexta-feira, 20 de setembro de 2024
Fiscalização na pandemia não pode ser motivo para abuso e desrespeito entre as partes

Vanessa Martins de Souza

Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

Fiscalização na pandemia não pode ser motivo para abuso e desrespeito entre as partes

Dois episódios lamentáveis divulgados durante a semana chamaram a atenção por abusos e desrespeito de conduta envolvendo fiscalização de prefeituras no cumprimento das medidas sanitárias. O primeiro deles veio do Rio de Janeiro, envolvendo o casal de engenheiros Leonardo Santos Neves de Barros, 43 anos, e Nívea Valle Del Maestro, 39. No sábado, o casal se encontrava em um restaurante na Barra da Tijuca quando a fiscalização da Vigilância Sanitária o abordou. O fiscal interpelou o engenheiro referindo-se a ele como “cidadão”, levando sua esposa a enraivecer-se com o fiscal e retrucá-lo: “cidadão, não, engenheiro”. O vídeo da intimidação do casal ao fiscal foi motivo de reportagem no programa Fantástico, da Rede Globo. Dias depois, o casal disse à imprensa que não se arrepende de ter “questionado incisivamente” o superintendente de Educação e Projetos da Vigilância Sanitária, Flávio Graça, que também tem curso superior, aliás, é médico veterinário. E que não vê motivos para pedir desculpas ao fiscal, não considerando “desacato à autoridade” a postura, e que teriam o direito de questionar a atividade profissional de um funcionário público que tem seu salário pago com o dinheiro dos impostos de contribuintes como eles.

 

Comerciantes reivindicam direitos

O segundo episódio veio de Curitiba, onde uma empresária, Elisa Ruppenthal, proprietária de três lojas de calçados na capital, nos bairros Santa Felicidade e Mercês, relata em vídeo postado nas redes sociais a humilhação sofrida a partir da ação de fiscais enquanto trabalhava sozinha dentro de sua loja, de portas fechadas. Conta a empresária que foi abordada por fiscais, sem especificar se seriam da prefeitura, que a flagraram trabalhando dentro de sua loja, sozinha, com portas fechadas, resolvendo questões administrativas, telefonemas, e-mails e atendimento a clientes via internet e WhatsApp. Segundo seu relato, no qual revela bastante indignação, ela teria sido avisada pelos fiscais que não poderia continuar trabalhando com vendas online porque não teria alvará para esse tipo específico de atividade, bem como estaria impedida de permanecer trabalhando dentro de seus estabelecimento resolvendo demandas administrativas. Também de acordo com seu relato, os fiscais lhe disseram que não poderia manter as vitrines abertas “para não instigar a vontade de comprar de possíveis clientes que, em frente ao local, passassem”. A comerciante, em tom muito triste, expressou toda sua indignação e repúdio pela postura dos fiscais referindo-se a “ditadura”. O vídeo ganhou grande repercussão nas redes sociais chegando à página do deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PSL-SP) e até ao presidente Jair Bolsonaro, que telefonou para conversar com a empresária, segundo conta a página nas redes sociais do deputado estadual Delegado Fernando Francischini (PSL-PR), aliado do presidente da República. No vídeo, aliás, Elisa cobra do prefeito Rafael Greca, do governador Ratinho Júnior e dos vereadores da capital alguma atitude em defesa dos empresários e comerciantes durante a pandemia, pois, já teria demitido seis de seus doze funcionários e corria o risco de demitir mais se continuasse impedida de exercer atividade comercial online, também.

 

Respeito deve ser recíproco

Enfim, tivemos nos últimos dias, duas posturas bastante equivocadas referentes à fiscalização do cumprimento das medidas sanitárias. Na primeira, o desrespeito partiu dos fiscalizados, que, em sua total falta de cidadania, demonstraram não entender o significado do termo “cidadão”, considerando-o ofensivo. E expressando, ainda, aquela arrogância típica e descabida de quem se acredita “superior” por contar com formação em curso superior e, por isso, digno de dar uma espécie de “carteirada” frente a um funcionário público no exercício de sua função. Ser engenheiro, contar com um diploma de curso superior é passaporte para posturas arrogantes e desrespeitosas em relação à ordem pública, ao cumprimento de leis e normas? Talvez estejam faltando em alguns cursos superiores o ensino de conhecimentos como, ética e cidadania, uma formação mais humanista e integral. A postura do casal é emblemática da defesa de uma educação direcionada à formação de cidadãos e, não somente, de técnicos e especialistas, em nossas universidades, não é, mesmo?

 

Proibição de vendas online sem alvará

Quanto ao episódio em Curitiba, o relato chega a parecer surreal, visto que não consta em nenhum decreto a proibição de vendas online. Inclusive, muitos estabelecimentos comerciais na capital têm divulgado seus respectivos números de WhatsApp em suas entradas das lojas físicas para que as vendas possam ser efetuadas online. O que teria acontecido com os referidos fiscais para agirem de forma tão dura com a empresária? Teriam cumprido ordens superiores ou este se trataria de um caso isolado em que realmente houve um abuso de autoridade por parte dos fiscais? Seria muito importante que este caso fosse esclarecido, pois, ao mesmo tempo em que é preciso respeitar as medidas sanitárias, também é necessário que haja reciprocidade nesse respeito por parte do poder público ao abordar cidadãos, seja na qualidade de pessoas físicas ou de representantes de pessoas jurídicas.

 

Empresários pedem socorro

O fato é que muitos empresários e comerciantes de Curitiba têm revelado indignação por não poderem trabalhar de forma alguma durante a quarentena mais rígida. Proprietários de lojas dos shoppings também têm reclamado nas redes sociais que estão impossibilitados, até, de atuar com vendas em drive-thru. Reivindica-se, inclusive, medidas de apoio governamental aos comerciantes, a exemplo de algum abatimento nos impostos para compensar as perdas em receita durante o fechamento dos estabelecimentos. Ao que tudo indica, vereadores de Curitiba revelam-se bastante tímidos em relação à defesa dessas importantes demandas do setor privado. Parece, até, esquecerem-se de que estamos em ano de eleições municipais e, como representantes imediatos do povo, poderiam demonstrar posicionamentos mais firmes e assertivos na defesa de interesses pertinentes à sociedade. Pois, ao contrário da visão preconceituosa de parcela do povo brasileiro, empresários podem ser vistos como muito mais que “uma elite gananciosa que só pensa em lucros”. Empresários têm contas a pagar, sustentam famílias, geram empregos e contribuem em muito para a arrecadação de receita dos estados, municípios e da União. Devem ter responsabilidade social, sim, comprometendo-se em colaborar para a coletividade, cumprindo medidas sanitárias, envolvendo-se em atividades beneficentes, e outras, para além do interesse em lucros. Mas, é a iniciativa privada que movimenta o PIB do país e, sem ela, nenhum programa social dos governantes se mantém. Se a arrecadação de tributos cai, não há programa de governo que resista por muito tempo, nem mesmo o auxílio emergencial lançado pelo Governo Federal durante a pandemia.

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