por Vanessa Martins de Souza
A crise na saúde pública provocada pelo novo coronavírus (Covid-19) tem desnudado o quadro crônico de falência do Sistema Único de Saúde (SUS), em boa parte do país. O sistema, na verdade, já se encontrava colapsado cronicamente em localidades como o Amazonas, Pará, Pernambuco, Ceará e Rio de Janeiro. O novo vírus veio para escancarar a grave situação que profissionais de saúde e pacientes enfrentavam diariamente há muitos anos nessas localidades. Inegavelmente, a pandemia a agravou ainda mais, gerando o caos absoluto e o verdadeiro horror, constituindo-se numa crise humanitária em localidades como Manaus e Belém, por exemplo. Corpos largados, acumulados em frigoríficos, profissionais de saúde entrando em licença ou morrendo por causa da Covid-19. Uma realidade gravíssima e desesperadora, que tem sido ressaltada pela mídia sem pudores.
Cobertura “macabra” da Rede Globo
Num momento de grande crise e luto para todo o país, tem sido comum ouvir e ler críticas da população à atuação da grande imprensa por ter dado destaque a tanta desgraça decorrente da pandemia. A Rede Globo tem sido bastante criticada pelo tom até um tanto “macabro” com que denuncia os horrores da pandemia. Por um lado, são compreensíveis tais críticas, afinal, o tom do jornalismo praticado pela emissora não é nada animador em relação ao momento. Considerando-se que a população já se encontra com inúmeros problemas decorrentes do fechamento do comércio, da falência de microempresas, das demissões, mais os trabalhadores autônomos tendo de se virar nos trinta para conseguir ganhar seu sustento, somando-se às preocupações e cuidados em relação ao contágio, é natural, é humano, que ninguém queira ver notícias tão assombrosas no noticiário, de forma assim, tão enfática. O estresse, a preocupação com o dia-a-dia e o futuro são constantes entre o povo. Há pessoas ficando deprimidas, até, pelo caos, a incerteza, as mudanças na rotina e nas condições financeiras. A população tem andado com os nervos à flor da pele.
Conscientização sobre a grave realidade
Mas, por outro lado, caberia à imprensa omitir-se em denunciar a gravidade da realidade, o real perigo da Covid-19, e o colapso do SUS em certos municípios e estados brasileiros? Acredito que é preciso expor a gravidade, o caos, os verdadeiros riscos da doença sem delongas, a fim de que a população se conscientize de que é preciso se cuidar, de si e dos outros, para não se infectar e não transmitir o vírus. Pois, a maioria depende do SUS e infelizmente não haverá vagas para todos os que necessitarem de um leito ou UTI hospitalares. Como já tem acontecido em diversos estados brasileiros, aliás. Lamentavelmente, são estados em que o SUS já se encontrava caótico e, para, piorar, muito, provavelmente, não houve uma adoção do distanciamento social de forma suficiente para evitar um crescimento acelerado da curva de contágio. O resultado era o previsto, infelizmente, as previsões confirmaram-se: colapso do SUS e muitas mortes. Cenas de horror e de muita tristeza.
Boas notícias sobre a Covid-19
Contudo, apesar de ser necessário expor a realidade nua e crua, o noticiário, de modo geral, principalmente o da Rede Globo, tem pesado a mão em noticiar somente a desgraça, sem trazer um alento a partir de boas perspectivas sobre a nova doença, a exemplo de informações sobre os tratamentos experimentais que estão sendo utilizados em alguns hospitais, as centenas de vacinas que estão sendo desenvolvidas, os casos de pessoas curadas, alguns surpreendentes, por se tratarem de pacientes idosos. Também falha a grande imprensa em denunciar os grandes responsáveis por esse colapso no SUS nos estados onde a realidade é mais crítica. Governadores e prefeitos corruptos ou omissos são os grandes responsáveis. Uma sucessão de gestões incompetentes e corruptas são as maiores responsáveis por todas essas mortes que têm ocorrido em estados como o Rio de Janeiro, São Paulo, Amazonas, Pará, Ceará, Pernambuco. No Amazonas, aliás, o Poder Legislativo aprovou o pedido de impeachment do governador por omissão e incompetência na gestão perante a pandemia. Historicamente, a saúde pública nunca recebeu investimentos suficientes no país. O problema não é de hoje. Não é só por causa da pandemia. A corrupção é a maior causa desse cenário de horror que vemos no noticiário. Muitos dizem que a imprensa exagera, mente, aumenta a gravidade do quadro atual. Mas, que lógica há em duvidar quando se sabe que estamos num país em que a saúde pública sempre foi tratada com descaso e em que morrer na fila de um hospital público já é notícia velha? O novo vírus, pela facilidade e rapidez de contágio, somadas a seu poder de devastação do estado clínico de pacientes do grupo de risco, principalmente (que são muitos no país), só termina por colocar lentes de aumento ao problema.
A conta do dinheiro torrado com a Copa e Olimpíadas
Lamentavelmente, o país está pagando a conta dos bilhões torrados em dinheiro público com a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Valores bilionários gastos em infraestrutura para dois eventos esportivos sediados no país em que grande parte foi superfaturada, vale lembrar. Eis, agora, a conta, pela roubalheira em governos passados para “investir” nesses dois eventos. É triste lembrar que o jogador Ronaldo diante das críticas aos gastos com a Copa, disse que “não se faz Copa do Mundo com hospitais”. Pois, é. Mas, agora, ironicamente, estádios de futebol estão sendo transformados em hospitais de campanha para se dar conta de atender os pacientes de Covid-19. Que esta pandemia também sirva para ensinar que não se faz uma grande nação sem priorizar a saúde de seus cidadãos, um direito universal garantido pela Constituição Federal. E que de nada adianta a honra de sediar uma Copa e os Jogos Olímpicos para, depois, sermos alçados ao topo do ranking dos campeões em mortes por Covid-19. Porque é esse o sério risco que corremos.