por Vanessa Martins de Souza
A decisão do STF, no último dia 7, a favor da revogação da prisão após condenação em segunda instância, como era esperado, desferiu um pesado golpe à Lava Jato e aos “lavajatistas”. Os desdobramentos da decisão também foram previsíveis, com a soltura imediata do ex-presidente Lula e de outros políticos presos, como Zé Dirceu (PT) e Eduardo Azeredo (PSDB-MG). Assim como foram previsíveis as manifestações populares contra a decisão da Suprema Corte brasileira, com protestos em capitais, a exemplo de Curitiba e São Paulo, esta última onde houve uma multidão realmente expressiva, na Avenida Paulista.
Indignação popular
Muito embora, a indignação popular esteja focada na saída de Lula da prisão, esta não deveria ser uma questão a ganhar tanta atenção. Afinal, o ex-presidente já havia recebido a determinação da justiça para passar ao regime semi-aberto, por já ter cumprido 1/6 da pena em regime fechado. Naturalmente, a saída da prisão como resultado de uma decisão do STF adquire um significado diferente, tanto jurídica como politicamente. Porém, a decisão da maioria dos ministros não representa nenhuma absolvição das condenações já recebidas por ele em duas instâncias. Lula continua na condição de condenado pela Justiça, em dois graus de jurisdição. Assim, a histeria antipetista tem uma certa conotação de exagero em relação à soltura do ex-presidente.
O gravíssimo na decisão do STF é o que ela traz em relação à operação Lava Jato e aos demais condenados e presos, que não deveriam ainda ter saído da prisão, a exemplo de Zé Dirceu, Eduardo Azeredo e todos os demais presos que venham a fazer um pedido de habeas corpus. Uma evidente tentativa de desmoralização à Lava Jato e uma blindagem a toda e qualquer iniciativa de combate à impunidade, principalmente, àquela praticada por criminosos de “colarinho branco”, a grande motivação da decisão do Supremo.
Decisão política
É um momento muito grave e delicado à nação. Não é questão de se desferir ataques à ‘instituição STF’, mas de severas críticas à decisão de seis de seus ministros, que optaram pela revogação da prisão após segunda instância. O STF tem deixado claro que norteia suas decisões de forma a influenciar o cenário político, ao invés de adotar a isenção e a imparcialidade condizentes ao que é apropriado ao Poder Judiciário. Em 2016, e depois em 2018, a prisão em segunda instância havia sido autorizada por essa mesma Corte. Agora, a desautoriza com a nítida intenção de destruir a operação Lava Jato e atacar o trabalho do então juiz Sérgio Moro. Essa flexibilidade de interpretação ao sabor dos ventos políticos não seria possível se não houvesse uma dubiedade na Constituição Federal, que em seu artigo 5º. Inciso LVII, diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Mas, no inciso LXI do mesmo artigo 5º. abre a possibilidade de uma ordem judicial fundamentada autorizar a prisão: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
“PEC da segunda instância”
Uma saída a esse impasse vem sendo buscada por um grupo de parlamentares no Congresso Nacional, tanto na Câmara como no Senado. O movimento afirma estar determinado a obstruir todas as pautas no Congresso Nacional até que seja colocada em apreciação uma PEC – Proposta de Emenda Constitucional, ainda esta semana, que preveja a prisão após condenação em segunda instância. O desafio é encontrar uma brecha jurídica para uma PEC que não se revele inconstitucional, pois há controvérsias acerca da constitucionalidade de proposta dessa natureza. Há juristas que alegam inconstitucionalidade por esta confrontar o imenso artigo 5º. da Constituição Federal, que seria integralmente uma cláusula pétrea, ou seja, não podendo ser alterado. Por outro lado, o próprio presidente do STF, ministro Dias Toffoli, afirmou que apenas a abertura do artigo 5º. seria uma cláusula pétrea.
Lula inelegível pela Lei da Ficha Limpa
Entre os desdobramentos de decisão tão dramática ao ambiente político, econômico e social preparada pelo STF no último dia 7, encontra-se o imediato acirramento da polarização política. Com Lula livre, a militância vibra, sentindo-se fortalecida para uma disputa ideológica com vistas às eleições de 2022. Lula encontra-se inelegível por oito anos, de acordo com a Lei da Ficha Limpa. Mas, um candidato do PT apoiado por ele em 2022 será uma certeza. O desafio será a reconquista de eleitores para além da militância tradicional. Acredito que o discurso do ex-presidente não é mais capaz de conquistar uma imensa fatia do eleitorado médio, de posição mais moderada ideologicamente.
Aumento da polarização política
Aliás, foi notório o quanto Lula radicalizou seu discurso logo ao sair da prisão, desferindo pesadas críticas e provocações ao ministro Moro, à Lava Jato, ao governo Bolsonaro e incitando a militância a protestar nas ruas contra o governo, a exemplo do que acontece no Chile. Nem um milagre fará com que esse discurso raivoso cative a grande parcela do eleitorado, avessa a posições mais extremistas. Na outra ponta do espectro ideológico, é bom lembrar, estão os eleitores “bolsonaristas-raiz”, também simpatizantes de posições mais extremadas. Entretanto, estes também não se constituem na maioria do eleitorado do presidente da República, que venceu as eleições graças ao votos antipetistas, simplesmente.
Populismo
Em suma, as perspectivas, num primeiro momento, não parecem nada animadoras. Lula fora da cadeia acirra os ânimos dos bolsonaristas e, estes, por sua vez, incitam a militância petista.Curiosamente, mal saiu da prisão, Lula fez críticas à Rede Globo, a exemplo de Bolsonaro, que vive em pé-de-guerra com a emissora. Até quando tamanha polarização? Com certeza, no mínimo, até 2022, nas próximas eleições presidenciais. Até lá, os cansados de tanta polarização que treinem a paciência, e cuidem do estômago e do fígado com muito “engov”, porque o show populista não pode parar tão cedo.