por Gaudêncio Torquato
Chove pressão sobre o Palácio do Planalto. Por essa razão, Jair Bolsonaro pede licença aos pastores evangélicos, corre à catedral de Brasília e apela aos céus com uma prece inspirada no Pai Nosso: “Pai Nosso, que estais no céu, santificado seja o Vosso Nome”.
Proteja-me, meu Pai, por ver meu nome descendo do altar da santificação só seis meses depois de eleito. Confesso, Senhor, que continuo a animar os que me escolheram, uso frases e imagens que me enquadram na extrema direita, conservador nos costumes, liberal na economia. Sim, estou ansioso para ver aprovada a reforma da Previdência, portão das outras reformas.
Venha a nós o Vosso Reino, seja feita a Vossa Vontade, assim na terra como no céu. Venham a mim, meu Pai, políticos de todos os partidos, principalmente do centrão, sob a esfera do Rodrigo Maia, pessoa que gosto de fustigar na esteira com “uma no cravo, outra na ferradura”. Confesso que não confio nesses deputados do PSL, meu partido, turma sem experiência e jogo de cintura. Afaste de mim petistas e psolistas, alvo dos meus tiros de capitão de artilharia.
Senhor, sou um militar sem muito apetite para as demandas da política, apesar dos meus quase 28 anos no Parlamento.
Convoquei um grupo de amigos militares para me ajudar nas borrascas, mas não temo desagradar a quem não faz a lição de casa. O general Santos Cruz saiu chateado, mas em seu lugar coloquei um general mais estrelado. Mais amigo.
Agrada-me o poder, ser o centro do debate e chamado de “mito”. Mas agora me preocupam as vaias da oposição. Vou rever essas idas a estádios de futebol.
Pelo meu Reino, perdão, por minha reeleição, serei capaz de mudar minha índole, fazer a vontade dos outros, embora o confessionário político não seja minha praia. Sem uma profunda reforma política, voltarei às ruas nos braços do povo.
Agradeço, Senhor, a oportunidade de sentar na cadeira presidencial. Graças a isso já entrei no círculo dos mais importantes do planeta, entre eles meu amigo Donald Trump, o chefão da China, Xi Jiping, a dura primeira ministra alemã, Ângela Merkel e o jovial presidente da França, Emmanoel Macron. Este vive me jogando na cara coisas que desconhece, como a Amazônia.
Digo e repito: nosso país é uma virgem desejada por tarados.
– O pão nosso de cada dia nos dai hoje. Ajude-me, Senhor, a manter o pãozinho e o frango de mais de 13 milhões de famílias do Bolsa Família. Não consegui ainda, meu Pai, aliviar o sofrimento de 13 milhões de desempregados e mais de 12 milhões de subempregados. Esse é o calcanhar de aquiles, o espinho atravessado na garganta. Mas tenho esperança no meu “posto Ipiranga”, Paulo Guedes: o desemprego começará a baixar em meados do próximo ano.
Estou com receio de que o senhor Luiz Inácio seja libertado para zoar com o meu governo. Ele e os seus amigos do PT, PSOL, PSB, PC do B e outros nanicos vão fazer de tudo para bagunçar o pleito de prefeitos em 2020 e antecipar a eleições de 2022.
As minhas galeras fiéis estarão preparadas para enfrentar a guerra entre os três terços que dividem o país: um meu lado; outro da oposição; e o terceiro sem rumo, olhando a direção do vento.
Ah, como é interessante, Senhor, ver o meu ministro Sérgio Moro, apesar de criticado pela mídia, continuar aplaudido nas ruas. Se continuar assim, meu Pai, terei de defenestrá-lo mais adiante, porque não o quero como concorrente 2022.
– Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aqueles que nos têm ofendido e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.
Tentarei perdoar meus opositores, mas jamais aceitarei a tese de que o cara que me deu a facada é desmiolado. Tudo armação.
Sei que falo demais, meu dia a dia é um palanque. Mas tenho saudades das ruas, Senhor. Gosto das palavras simples, limitado que sou. Uso minha verve para agradar minha galera. Sou respeitado pela direita mundial. Quem chegou a ser tão amigo de um presidente da maior democracia ocidental, os EUA? Dizem que sou estrela brilhante da constelação da Direita mundial.
Ajude-me, Senhor, a chegar ao final do mandato com boa avaliação.
E perdoai-me, Senhor, se eu cometer o desatino de nomear meu filho Eduardo para embaixador nos EUA. Amém!”
Gaudêncio Torquato
Jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação
Twitter@gaudtorquato