por Maurício Zágari
É cada vez mais comum ver na mídia em geral e no discurso popular referências a “os evangélicos”, como se todos evangélicos brasileiros representassem um corpo único, coeso e homogêneo em seus valores, crenças e atitudes. Assim, na visão reducionista de grande parte da sociedade, todo evangélico seria, por exemplo, fundamentalista, homofóbico, anti-iluminista e politicamente alinhado. Essa generalização, porém, se baseia em uma visão historicamente equivocada, enormemente distanciada da realidade atual e que prejudica o entendimento da influência de “os evangélicos” nos rumos do Brasil.
No país de Bolsonaro e Damares, se desejamos construir um diálogo realista, consciente e produtivo acerca da ação de “os evangélicos” na sociedade como um todo, é essencial que essa mesma sociedade compreenda que o conceito “os evangélicos” de maneira nenhuma representa, hoje, uma identidade única, mas se refere a segmentos extremamente diferentes entre si, que pensam de modo divergente em uma enormidade de pontos e que, inclusive e infelizmente, frequentemente vivem em intensa oposição mútua.
Caso não haja essa compreensão, toda discussão acerca do papel de “os evangélicos” no dia a dia da nação será pautada — como tem sido — em caricaturas e estereótipos, e não nos fatos como eles se apresentam. Serão discussões desinformadas e, consequentemente, infrutíferas.
O que se descortina a olhos mais bem informados é uma miríade de grupos diferentes, discordantes e antagônicos em questões que vão da teologia ao posicionamento político. Embora o cidadão não evangélico, em geral, não se aperceba disso, para amplos setores entre “os evangélicos”, a igreja de Edir Macedo é uma seita, a teologia da prosperidade abraçada por pastores como Silas Malafaia é antibíblica e a maneira como Valdemiro Santiago lida com o dinheiro passa longe do cristianismo de Cristo. Frequentemente, aliás, o que se vê entre numerosos grupos de evangélicos é uma discordância declarada dessas personalidades midiáticas.
A polarização verificada entre a população brasileira durante a campanha presidencial de 2018 foi gritante entre os evangélicos. As redes sociais fervilharam com ofensas entre evangélicos progressistas e evangélicos conservadores, com abundância de ataques verbais, desqualificações, embates e tratativas mútuas que fariam Jesus corar de tristeza. Em muitos momentos, dói reconhecer, o modo como cristãos defenderam sua visão de cristianismo não foi nada cristão. O resultado incluiu o fim de amizades, o abandono de igrejas e o afastamento entre irmãos.
Durante a corrida eleitoral, foram frequentes as afirmações dogmáticas de evangélicos sobre a impossibilidade de ser cristão e ser de esquerda… ou de direita. Para uns, Bolsonaro era messiânico, para outros, era anticrístico, a depender da ideologia de cada um. Fato é que a fé de amplos setores entre os evangélicos passou a se imiscuir de cores ideológicas, com uma interpretação de Cristo à luz da ideologia pessoal. Karl Marx e Adam Smith passaram a ter enorme peso no entendimento da fé de muitos. E a polarização se instalou entre “os evangélicos”.
Fato é que, hoje, um evangélico que procura manter sua fé acima da linha das paixões político-ideológicas assombra-se diariamente com as reações de evangélicos mais ideologicamente apaixonados às manchetes dos jornais. E vê com clareza as muitas divergências entre seus pares.
Esqueça esse grupo imaginário e coeso intitulado “os evangélicos”. No Brasil que é brasis, o evangélico é evangélicos. Se a sociedade e a mídia não se aperceberem disso e se posicionarem de acordo com essa percepção, viverão no desconhecimento, nas generalizações e no reducionismo — o que nunca ajudará a sociedade a compreender os fenômenos político-sociais em andamento no Brasil de hoje.
E, infelizmente, sem essa compreensão, será impossível construir as pontes tão necessárias para a construção de um Brasil mais unido, justo e digno para todos —evangélicos ou não.
Maurício Zágari
Teólogo, escritor, editor e jornalista