sexta-feira, 29 de março de 2024
Escolha de nome para o STF desagrada parcela expressiva do bolsonarismo

Vanessa Martins de Souza

Jornalista responsável dos jornais do Grupo Paraná Comunicação (A Gazeta Cidade de Pinhais, A Gazeta Região Metropolitana, Agenda Local e Jardim das Américas Notícias)

Escolha de nome para o STF desagrada parcela expressiva do bolsonarismo

Um dos grandes compromissos de campanha do presidente Bolsonaro foi a indicação de ministros conservadores ao STF. Durante seu mandato, duas vagas na Suprema Corte estarão abertas e estas indicações têm estado entre as decisões mais aguardadas por quem elegeu o presidente da República. A primeira vaga está prestes a abrir, com a aposentadoria do ministro Celso de Mello, anunciada antecipadamente para 13 de outubro, dias antes dele completar 75 anos. A expectativa era grande de que viria um ministro “terrivelmente evangélico”, como já se referiu Bolsonaro em julho de 2019 ou, um nome forte do conservadorismo. O jurista Ives Gandra Martins era uma das apostas do público apoiador do presidente. Porém, Bolsonaro antecipa-se e anuncia informalmente que já escolheu um nome: o desembargador piauiense do TRF 1, Kassio Nunes Marques, amigo do presidente, segundo o próprio revela.

A confirmação deixou as redes sociais em polvorosa. Muitos apoiadores mostraram-se decepcionados com a indicação. Outros tantos, apesar de não considerarem o ideal, ainda assim, afirmaram confiar na escolha, preferindo aguardar e verificar concretamente a postura do provável futuro ministro, que terá de ser sabatinado no Senado a fim de que seu nome seja aprovado (ou não). Conforme determina a Constituição Federal, cabe ao presidente da República a prerrogativa de indicar os ministros do STF, mas essa indicação deve passar pelo crivo do Senado, que poderá aprovar ou não o nome, com base em argumentos técnicos.

Nome indicado por Dilma

Por que o nome de Kássio Marques Nunes tem desagradado muitos dos tradicionais apoiadores do presidente, entre o povo, analistas políticos e lideranças evangélicas como o pastor Silas Malafaia e parlamentares como o deputado federal Luiz Phillipe de Orleans e Bragança (PSL-SP)? Primeiramente, por que causa estranheza a escolha de um desembargador indicado pela então presidente Dilma Rousseff (PT) ao cargo no TRF. Dilma o indicou pelo quinto constitucional, ou seja, aquela quinta parte dos desembargadores que chega ao cargo por indicação política, oriundos da advocacia, e não por progressão na carreira de magistrado.

Combate à corrupção e valores conservadores

Outro dado importante é que o anseio do eleitorado do presidente sempre foi a indicação de nomes para o STF que representassem uma forte defesa do combate à corrupção, além do respeito à vida, à família, a valores conservadores – dentro da pauta de costumes – combatendo, inclusive, o lobby pró-aborto. E que, também, combatesse o ativismo judicial no STF com a clareza e ciência de que a mais alta corte judiciária do país é a guardiã e intérprete da Constituição Federal, muito mais do que autora de legislações. Bem como representasse outros valores e decisões caros à direita, como o armamento da população, a defesa da livre iniciativa, das liberdades individuais, enfim, causas que vão na contramão do ideário progressista.
Juízes “garantistas”

Contudo, o preocupante é que, pelo que se sabe do histórico do indicado, nos bastidores, comenta-se que este é mais alinhado à postura de ministros como Gilmar Mendes e Levandowski, juízes “garantistas”, ou seja, que costumam julgar em favor do réu conforme a lei permita tal interpretação, independentemente de outros aspectos e legislações em jogo. Mendes e Levandowski esmeraram-se em decidir favoravelmente a diversos réus da Lava- Jato. E foram além, desvirtuando certas interpretações jurídicas a fim de claramente beneficiarem réus da Lava Jato, a exemplo de anulações recentes de decisões de instâncias inferiores tomadas dentro da lei, gerando insegurança jurídica e promovendo a impunidade.

Equilíbrio de forças ideológicas no STF

No mínimo, o que se esperava era uma indicação que representasse uma firme postura contra a atual tendência no STF, corte composta unicamente por juízes de posicionamento progressista. Um equilíbrio de forças ideológicas dentro do STF se faz necessário a fim de dar voz às pautas conservadoras e da direita liberal, uma vez que estas representam grande parte dos valores e princípios da sociedade brasileira. Bolsonaro tentou consolar seu eleitorado afirmando que a próxima vaga no STF, que abrirá em julho de 2021, com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello, deverá receber a indicação de um nome evangélico.

Todavia, mesmo assim, perder a oportunidade de colocar dois ministros representantes do conservadorismo pode se revelar um erro fatal. Afinal, num momento em que todo o estamento burocrático (inclusos a maioria dos políticos e alguns magistrados), volta-se contra a Lava Jato, seria crucial a atuação de um ministro do STF alinhado com o duro combate à impunidade.

Agradar ao “centrão”?

Uma das justificativas encontradas para Bolsonaro ter escolhido um nome incerto e arriscado está na necessidade de aprovação no Senado. Alega-se que dificilmente um nome conservador, e pior ainda se fosse “terrivelmente evangélico”, seria aprovado pela Casa. Todos sabem, não é segredo a ninguém, que o presidente tem encontrado sérias dificuldades em formar e manter uma base aliada num Congresso dominado pelo chamado “centrão”. Desagradar ao “centrão” poderia ser arriscado, podendo colocar tudo a perder em termos de aprovação de projetos fundamentais ao governo. Bem, o que se comenta é que o nome foi escolhido para não desagradar ao “centrão”. Entretanto, a postura de cautela, no mínimo, é criticável. Caberia ao presidente a coerência de defender o que acredita – um nome alinhado a tudo o que tem prometido, e, somente depois, ver o resultado no Senado, sem antecipações desnecessárias. Quando um nome é desaprovado no Senado, cabe ao presidente da República indicar outro e assim por diante até que haja um consenso. Uma pena que tenha se deixado encolher e acuar pelo fisiologismo no Congresso. Pois, a prerrogativa constitucional de escolher ministros do STF vai além de uma função de governo, é uma função de estado, que transcende seu mandato. O provável futuro ministro, de 48 anos, ficará no cargo por muitos e muitos anos, até se aposentar.

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